Tudo começou em 1947, quando João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes, jovem santanense estudante do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, entrou em um bar para tomar um café e se deparou com uma bandeira do Rio Grande do Sul usada como cortina em uma janela. A cena lhe causou indignação, pois refletia o impacto do modismo americano, que muitos jovens ocidentais tentavam imitar, além das restrições impostas pela ditadura Vargas, que havia proibido manifestações culturais regionais.
Foi então que Paixão Côrtes, juntamente com outros sete estudantes do colégio, decidiu criar o Departamento de Tradições Gaúchas, com o objetivo de preservar e revitalizar as tradições que estavam sendo esquecidas. Empolgados com a ideia, eles procuraram o Major Darcy Vignolli, responsável pela organização das festividades da “Semana da Pátria”, e expressaram o desejo de participar ativamente das comemorações. Propuseram a criação da “Chama Crioula”, a partir de uma centelha do Fogo Simbólico da Pátria, simbolizando a união do Rio Grande do Sul à Pátria Mãe e aquecendo os corações dos gaúchos e brasileiros até o dia 20 de setembro, data magna estadual.
Na ocasião, o Major Vignolli convidou Paixão Côrtes para formar uma guarda de gaúchos pilchados em homenagem ao herói farrapo David Canabarro, cujo corpo seria transferido de Sant’Ana do Livramento para Porto Alegre. Paixão reuniu então oito gaúchos devidamente pilchados, e, no dia 5 de setembro de 1947, prestaram homenagem a Canabarro. Esse grupo ficou conhecido como o Grupo dos Oito ou Piquete da Tradição, composto por: Antonio João de Sá Siqueira, Fernando Machado Vieira, João Machado Vieira, Cilço Araujo Campos, Ciro Dias da Costa, Orlando Jorge Degrazzia, Cyro Dutra Ferreira e João Carlos Paixão Côrtes, que conduziram as bandeiras do Brasil, do Rio Grande do Sul e do Colégio Estadual Júlio de Castilhos.
Em 7 de setembro de 1947, à meia-noite, antes de extinguir o Fogo Simbólico da Pátria, Paixão Côrtes, Fernando Machado Vieira e Cyro Dutra Ferreira retiraram a centelha que originou a primeira “Chama Crioula”, que permaneceu acesa em um candeeiro crioulo até a meia-noite de 20 de setembro, quando foi extinta no primeiro baile gaúcho organizado por eles, no Teresópolis Tênis Clube. A partir daquele momento, a chama foi mantida acesa ano após ano, simbolizando o amor dos gaúchos por sua terra.
“Não éramos contra o desenvolvimento, a liberdade ou o progresso, mas também queríamos o direito de preservar e valorizar nossas tradições, dignamente, em seus devidos lugares.” – Paixão Côrtes
Fonte: Jornal O Sul
O Legado de um Ícone
Conheça quem foi Paixão Côrtes
João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes nasceu em Sant’Ana do Livramento, no dia 12 de julho de 1927, e se tornou um dos maiores ícones da música e cultura tradicionalista gaúcha. Natural de uma cidade que sempre foi celeiro de grandes nomes, Paixão Côrtes se destacou como cantor, folclorista, compositor, escritor, radialista, e principalmente, como um grande defensor das tradições gaúchas.
Filho de Júlio Paixão Côrtes e Fátima D’Ávila, Paixão Côrtes formou-se engenheiro-agrônomo, mas logo se dedicou ao estudo das raízes culturais do Rio Grande do Sul. Atuou na Secretaria da Agricultura, onde desempenhou um trabalho fundamental na ovinocultura, sendo responsável por inovações como a introdução da tosquia australiana e a tipificação de carcaças de ovelhas.
Sua paixão pela cultura gaúcha o levou a estudar e registrar os hábitos, costumes e tradições do povo gaúcho em dezenas de publicações, discos e eventos. Em 1947, foi um dos fundadores do Departamento de Tradições Gaúchas no Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, que marcaria o início do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Esse movimento deu origem aos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), que até hoje são pilares da cultura do estado.
Além de sua atuação como pesquisador e divulgador da cultura, Paixão Côrtes foi um grande nome da música. Foi o modelo para a Estátua do Laçador, em Porto Alegre, símbolo do estado desde 1992. Como radialista, utilizou seu programa para compartilhar seu vasto conhecimento sobre o folclore gaúcho, e foi fundamental para a criação de símbolos como a Chama Crioula e o Candeeiro Crioulo que são símbolos da nossa Semana Farroupilha.
Paixão Côrtes também teve uma carreira internacional de sucesso, se apresentando no Olympia de Paris, na Sorbonne, no Hotel de Ville e no Teatro Alhambra. Além disso, sua obra foi reconhecida com diversos prêmios, como o de Melhor Cantor Masculino de Folclore do Brasil, em 1964.
Ao longo de sua vida, Paixão Côrtes deixou um legado imensurável para o tradicionalismo gaúcho e para a história cultural do Rio Grande do Sul. Faleceu em 27 de agosto de 2018, aos 91 anos, deixando uma marca eterna no coração dos gaúchos.