Buenas!
Lendo o novo livro de Chico Buarque, “Um bambino em Roma”, lançado há poucos meses, lembranças se avivam em minha cabeça das ruelas estreitas da cidade eterna, dos prédios ocres e medievais de uma Roma que eu vivi nas viagens que fiz.
A Roma de Chico é a de sua tenra infância, a Roma de quando ele menino, tendo entre nove e dez anos, lá conviveu com seus pais e irmãos. A minha Roma me conheceu já com 36 anos e, assim como para nosso cantor, ela tornou-se inesquecível, obrigando-me a novas visitas.
O livro trata das memórias de um octogenário – no caso, a mesma idade do autor da obra – sobre suas experiências e primeiras paixões, de suas andanças de bicicletas e impressões de um Brasil distante e saudoso, de momentos formadores na escola, mesmo que nem sempre prazerosos.
O melhor momento do livro, ao menos para mim, foi quando ele teve de comprar um livro para seu irmão após uma rusga familiar e experimentou um orgulho supremo, uma ardorosa epifania quando encontrou o livro do seu pai traduzido para o italiano em uma livraria de Roma.
Caso seja um neófito em Chico, saibam que o pai dele foi ninguém menos que Sérgio Buarque de Holanda! Ainda faltam luzes, caro leitor? Sérgio Buarque é autor do livro: “Raízes do Brasil”, lançado em 1936, que tornou-o tão famoso, que foi convidado a dar aulas na Itália por um período.
É uma interpretação sobre a formação do Brasil tão necessária, que deveria ser leitura obrigatória nas escolas de ensino médio, não somente em cursos universitários de humanas.
“É o livro do meu pai! É o livro do meu pai!” Gritava o menino, empolgado, com um orgulho tão explícito e empolgante que me contaminou. Coloquei-me no lugar dele, desfrutei da felicidade genuína e infantil que o escritor octogenário tentou transmitir com suas palavras e, confesso, lacrimejei imaginando o menino de dez anos diante da obra de seu pai em um país estrangeiro.
A função da literatura é dar vida aos escritos, transmitir emoções aos leitores. Nem sempre isso dá certo – afirma alguém que tenta, vez ou outra, tal intento –, contudo, quando o leitor revive a sensação que o autor quis transmitir, que a personagem conheceu, temos aí uma obra de arte.
Não é todo o livro assim, em geral, ele é leve e sem arroubos, afinal, são memórias de um menino no estrangeiro, tendo experiências escolares e familiares, desde passeios de bicicletas até peladas de futebol, além do primeiro beijo, é claro.
Claro também fica ao leitor que não se trata de um menino qualquer, muito menos não é qualquer octogenário que está a escrever. É o mito Chico Buarque de Holanda que se aproxima do rés-do-chão, que apresenta experiências italianas de quando ele criança, ficcionalizando seu tanto.
Poderia ter falado mais, assunto teria, pois voltou a morar na Itália quando precisou se refugiar da ditadura militar brasileira que o acossava a cada nova música ou participação em festival. Além disso, o final do livro foi um tanto decepcionante, ao menos para mim. Quando o lerem, espero que o façam, tirem suas próprias impressões.
Roma o acolheu em diversos momentos de sua vida, apesar de hoje preferir refugiar-se em Paris. Pode-se dizer que a cidade e este livro possuem caráter formativo na vida do cantor-escritor, assim como “O Ateneu”, de 1888, foi para o escritor Raul Pompéia, guardada as devidas proporções.
Sempre fui fascinado por Roma, desde a tenra infância. Não tive a sorte de ter um pai escritor, o meu mal terminou o fundamental, mas tive uma mãe professora que, mesmo morando no interior do RS, mostrou-me o caminho da biblioteca municipal.
Segundo ela, mesmo antes de aprender a ler e escrever, eu já tinha carteirinha de sócio da biblioteca, de onde retirava revistas e livros. Ali realizei minhas primeiras leituras do mundo. Numa destas visitas, acompanhado de minha avó, ouvi dela uma expressão tão comum, mas que moldou minha vida: quem tem boca vai a Roma!
Desde sempre fui reclamão e falador, adorava contar aos outros sobre o que lia e via. Talvez por isso, ganhei o apelido de Bocão que, felizmente ou não, não me acompanhou na vida adulta.
A frase me serve de lema, não só literária, mas metaforicamente também. Foi a base para eu ter a coragem de encarar o mundo. Já pai de família, separado e sem moradia fixa, realizei o sonho da primeira viagem para a Europa, escolhendo Paris e Roma como destinos. Foram paixões à primeira vista, paixões irremediáveis!
Sei que modéstia nunca foi meu forte, mas não estou aqui a me comparar com o escritor citado, não seria tão pretensioso, longe disso! Entretanto, ao ler sobre a Roma do menino Chico, veio à memória a minha Roma.
Aliás, lembrei das várias Romas que vi, tanto nas viagens que fiz, mas também as Romas apreendidas dos livros da biblioteca pública de minha cidade ou daqueles publicações que comprei ao longo da vida, imagens e histórias que até hoje me acompanham nas viagens que faço…
Em suma, tudo para dizer que terminei o novo livro do Chico, estou em férias e, adivinhem, onde estou agora?