O mítico empresário e enólogo espanhol Alejandro Fernández, que revolucionou os vinhos da Ribera del Duero e fundou em 1975 o império das Bodegas Pesquera nos planaltos de Castela e Leão, no norte de Espanha atravessado pelo rio Douro, excluiu totalmente da herança milionária as suas três filhas mais velhas, Olga, Lucía e Mari Cruz. E deixou toda a sua fortuna nas mãos de uma única herdeira, a filha mais nova, Eva. O polémico testamento foi mudado cinco dias antes de Alejandro ter morrido a 22 de maio de 2021, aos 88 anos.
O caso, que está a apaixonar e indignar Espanha, parece um episódio da telenovela americana dos anos 1980 “Falcon Crest”, com Jane Wyman e Lorenzo Lamas, que retratava os conflitos sanguíneos dentro de uma poderosa família de vinicultores brasonados da Califórnia.
Três filhas afastam o pai da empresa
Mas, o que provocou este furioso desentendimento na família mais famosa da denominação de origem protegida de Castela que produz o mítico vinho Tinto Pesquera?
Dois acontecimentos, essencialmente.
Primeiro: em 2018, Alejandro Fernández divorciou-se de Esperanza Rivera, com quem estava casado desde a década de 1970 e que lhe dera quatro filhas. A separação partiu psicologicamente a família ao meio: de um lado ficaram Esperanza e as três filhas maiores, que não aprovavam a conduta do pai; e do outro estavam Alejandro e a filha mais nova Eva, que o apoiava no desquite.
No seguimento do ato, fizeram-se partilhas: o pai ficou com 49,72% das ações das suas empresas, deu igual valor patrimonial à mulher Esperanza, e atribuiu 0,28% a cada uma das quatro filhas, que herdariam naturalmente no fim a fortuna da família.
Mas depois houve outra dissensão ainda mais funda e furiosa: despeitadas pelo divórcio, as três filhas Olga, Lucía e Mari Cruz somam secretamente as suas ações às da mãe Esperanza e obtêm assim, todas juntas, 50,56% das ações das Bodegas Pesquera. Ou seja: controlam a empresa, são agora um bloco maioritário, e, claro, tratam de afastar Alejandro Fernández da direção das empresas que tinha fundado cinco décadas atrás, enxotado de todos os órgãos sociais do seu próprio império.
Esse foi o segundo acontecimento da sanguinolenta cisão: o pai não fora só erradicado das suas vidas, fora também extirpado da longa mesa decisória dos seus negócios abundosos.
A vingança serviu-se fria
Alejandro Fernández, evidentemente, correu para os tribunais e restabeleceu o controlo do que era seu por criação. Mas não esqueceu a jogada traiçoeira das três filhas mais velhas.
O caso ficou a marinar, esfriou, desapareceu dos radares mediáticos e da televisão e parecia que estava tudo arrumado. Mas não, vinha aí um volte-face, uma mudança súbita no enredo, um twist final.
Foi há dois meses que se deram os novos desenvolvimentos, com um núpero episódio picante que reativou a telenovela numa nova temporada da vida real: Alejandro alterou o seu testamento e a mudança foi radical – e nada proveitosa para o trio de filhas.
Foi em 17 de maio de 2021, uma segunda-feira, e logo pela manhã, que tudo foi mudado num cartório notarial de Valladolid: o documento que estabelece os últimos desejos do milionário Alejandro Fernández dita agora que Eva, a filha mais nova, a única que ficara sempre ao lado do pai, é a sua herdeira universal. A única a herdar os seus milhões. E Olga e Lucía e Mari Cruz estavam oficialmente deserdadas e dele e da sua fortuna nada receberão.
Antes daquele dia, na semana anterior, em segredo, Eva já tinha levado o pai, que tinha 88 anos, a um psicólogo. A consulta tinha um propósito claro: certificar que Alejandro estava na plena posse das suas faculdades. O especialista viu-o, estava fino, certificou-o, atestou a sua sanidade mental.
Eva recebe 75% do bolo todo
No testamento houve mais alterações. Também foram trocados os executores que figuravam na versão anterior e foi nomeada para exercer essa função Pilar Sánchez Represa, advogada especialista em direito de família e que é, segundo informações do meio familiar recolhidas pelo jornal “El País”, amiga de infância de Eva Fernández.
O testamento do fundador das Bodegas Pesquera na Ribera del Duero também estabelece que as netas do empresário, filhas, portanto, das suas filhas deserdadas, são as legatárias do estrito direito legítimo que teria correspondido às suas mães.
Segundo estimativas de fontes familiarizadas com o caso, ouvidas pelo jornal espanhol, Eva receberá, então, quase 75% da herança total. Os 25% restantes, que coincidem com o que seria legitimamente das suas outras três filhas, mas não é porque o pai as deserdou, vão direitinhos para as suas netas sem passarem pelas mãos das suas mães.
Virão aí novos episódios?
Aqui chegados, a telenovela da família Fernández terá terminado ou são ainda esperados novos e revoltosos episódios? Ninguém sabe, mas a trama ainda pode seguir diversos caminhos. Que são, fundamentalmente, dois: ou as quatro filhas aceitam a vontade do pai e concordam com a execução testamental; ou correm aos tribunais a contestá-lo e impugnam a sua decisão.
Se não chegarem a um acordo sobre os futuros da empresa, então as valiosas marcas, a distribuição, os luxuriantes vinhedos, adegas e imóveis da famosa Pesquera permanecerão nas mãos do executor testamental designado – que é, recorde-se, uma amiga de infância de Eva Fernández. Esse cenário, dizem fontes jurídicas ouvidas pelo “El País”, será longo e tortuoso, com as consequências que tudo isso pode ter para o valor das marcas vinícolas, que têm, entre outras iguarias etílicas, um vinho tinto, o Pesquera Reserva 2007, que custa 395 euros a garrafa.
O desenlace mais provável não é o mais espetacular para a trama. Diz que Olga, Lucía e Mari Cruz abrem os cordões às suas bolsas e compram a parte de 75% da sua irmã Eva. Eva aceitaria então demitir-se das adegas mais importantes da empresa em troca de uma quantia não especificada de (muito) dinheiro, cedendo também direitos sobre as marcas e os vinhedos.
Alejandro já não assiste ao final da trama
Mas o enredo ainda não está todo escrito, o final continua em aberto e não se sabe como tudo isto vai acabar. Fontes próximas da família preveem que isto é o mais provável: o confronto vai continuar.
Certo é que Alejandro Fernández já não vai assistir ao grandioso final: o empresário faleceu na madrugada de 22 de maio deste ano, um sábado, cinco dias apenas após ter mudado o testamento.
Morreu no Hospital Marqués de Valdecilla, em Santander, na Cantábria espanhola, para onde foi transferido depois de ter desmaiado no restaurante onde, na tarde do dia anterior, apresentara uma nova estirpe de vinhos da Pesquera aos seus amigos e clientes.
Naquele dia, quem esteve no evento, recorda agora tê-lo visto a rir, a cantar e a dar autógrafos nos rótulos das suas garrafas, sempre de braço dado com Eva, a sua filha do coração. Foi um dia feliz, dizem com certa melancolia, acrescentando depois que a morte chegou sem que o pai se tenha reconciliado com as filhas e esse nunca pode ser um final feliz