Buenas!,
Eu deveria estar falando dos jogos espetaculares da Eurocopa ou do torneio de Wimbledon, principalmente das torcidas animadas e sem máscara devido ao uso de vacinas a mão cheia por aquelas terras. Eu também poderia estar falando da CPI do Congresso que está desvelando um novelo bem cabuloso, com denúncias de corrupção, propinas e falcatruas mil, que não são novidades aqui no Brasil.
Apesar da rima pobre, não consigo adentrar essa temática espinhosa, pois estou tomado por um questionamento que quero compartilhar com quem me lê: se pudesse voltar no tempo, em que dia e com quem gostaria de estar?
Sei que muitos gostariam de mudar o curso da história, como por exemplo, fazer com que Adolf fosse aprovado na escola de Belas Artes de Viena, evitando assim sua ascensão ao poder na Alemanha. Não dá, em meu projeto, o único direito que teríamos seria passar um dia com alguma personalidade histórica, mas sem alterar-lhe o trajeto, podendo degustar somente do prazer supremo da convivência.
Não sei vocês, mas eu já tenho esse momento arquitetado em minha mente, que, nesse caso, é a minha máquina do tempo. Estou nos primeiros anos do século XVI e caminho pelas ruas calçadas de uma cidade em pleno vigor renascentista. Diante de mim, vislumbro os prédios ocres de Florença, a cidade mais revolucionária da Europa, depois do apogeu de Atenas e Roma na Antiguidade.
Por que Florença?, pergunta o mais apressado dos meus leitores, e respondo com nem tanta velocidade: por que não Florença?
Desde o século XIV a cidade vivia o apogeu proporcionado pelo comércio de sedas, além da até hoje rentável atividade financeira. Os bancos da cidade patrocinavam, entre outras coisas, navios mercantis que buscavam mercadorias no Oriente Médio e, depois, no Novo Mundo. A cidade era riquíssima, e não só pelo poderio dos Médicis, existiam outras casas bancárias, promovendo não somente uma competição econômica, mas também, artística.
Para garantir um lugar de prestígio junto à comunidade fervorosamente religiosa de então, esses ricos senhores patrocinavam construções e pinturas religiosas de artistas do quilate de um Giotto, com suas pinturas que bebiam da natureza, e Brunelleschi, que inspirou-se no passado romano para construir o gigantesco Duomo da cidade. Depois, surgiram Donatello e Botticelli, para citar dois mestres, mas, acima de tudo, essa terra viu nascer Leonardo da Vinci e Michelangelo.
Poderia encerrar aqui, abrir um dos meus livros de história da arte para, simplesmente, apreciar o que eles fizeram. Mas não, preciso falar desses homens que inspiraram a criação do conceito do que é ser um artista: um ser que cria algo por sua própria inspiração e criatividade, diferente do artesão, que obedecia modelos e seguia regras pré-existentes.
Pois bem, não posso perder tempo, desembarquei há pouco na cidade. Corria o ano de 1506, Leonardo da Vinci retornou para na capital da Toscana há pouco, tinha 54 anos e era 23 anos mais velho que Michelangelo. O primeiro havia criado a “Virgem dos Rochedos” e iniciado a “Mona Lisa” enquanto o segundo havia eternizado no mármore o “David” e a “Pietá”. Na minha modesta opinião, poderiam já estar aposentados e vivendo somente da admiração de seus pares.
Mas não, quis o destino e Machiavel que, na época, atuava como gestor administrativo da cidade, contratar a dupla para decorar as paredes do Palácio Vecchio, de onde a cidade era governada. O salão dos Quinhentos era tão grande que, como o nome diz, poderia comportar uma reunião com até 500 pessoas.
Ele foi tão maquiavélico que colocou os dois e seus egos no mesmo salão, um de costas para o outro, com a missão de ilustrar cada qual uma batalha relevante para a história da cidade. Ele esqueceu que nenhum dos dois gostava muito de pintar, principalmente afrescos. Mesmo assim, um fez a “Última Ceia” e o outro a Capela Sistina. Imaginem se gostassem…
Conforme contam as anedotas históricas, eles não tinham relação alguma de amizade. Leonardo era um homem jovial e expansivo, enquanto o outro era ranzinza e individualista. Após algum tempo, depois de iniciada a obra, Leonardo abandona-a e parte para Milão, e Michelangelo vai para Roma, a pedido do Papa. Ambos deixam as paredes com rascunhos admirados por muitos, mas que foram cobertos por pinturas de Vasari, coincidentemente, o primeiro biógrafo da dupla.
E eu estou ali, adentrando aquele grande salão medieval inaugurado ainda no século XIII. Nesse dia, os dois estariam em seus respectivos andaimes, pincéis esparramados, misturados ao cheiro das tintas e de coisas antigas. Vinci estaria com dois ou três assessores, um deles tocaria uma harpa; música inspira, dizia ele. Buonarotti estaria solitário e silencioso no outro córner. Eu, do alto de minha humildade provinciana, ficaria a admirar o trabalho de ambos, pelo tempo que me fosse permitido.
Teria tantas perguntas para eles, tantos argumentos, tantas sugestões, mas eu não poderia falar nada que pudesse alterar a história, não poderia dizer para Leonardo publicar todos os seus escritos ao chegar na França, propiciando à humanidade saltos gigantescos nas pesquisas científicas que ele antecipou, mas que só ficaram conhecidas séculos depois de sua morte. Nem poderia dizer para o outro gastar um pouco do dinheiro acumulado, permitindo-se aproveitar a vida, deixando de comportar-se como se um miserável fosse.
E vocês, caros leitores, aproveitando a dica que acabei de dar e usando a máquina do tempo que todos temos e que serve para deixarmos de lado o mundo real (que nem sempre é tão artístico assim), iriam viajar para onde e encontrar que pessoa relevante para suas vidas?
Aliás, teria muito mais para falar deles, mas tenho de conclui, e o faço com a única frase que diria a eles: – Muito obrigado por existirem! – certamente, teria os olhos marejados e um sorriso pleno tomando conta de mim…