Buenas!,
Falar de livros para um professor de literatura não é tarefa que custe muito, o que contribui para texto com extensão avantajada, ainda mais sendo a obra extremamente relevante para este que vos fala. A crônica vem de fábrica com delimitação prévia e cabe ao cronista moderar nos comentários para não sofrer censura quanto às dimensões, nunca em relação à temática.
Por isso volto ao livro comentado na crônica anterior. Afirmei que ele abriu-me portas e não menti, porém não tive espaço suficiente para falar de toda sua importância para minha vida, só comentei sobre a relevância literária ímpar.
Era a minha segunda Feira do Livro em Porto Alegre. Circulavam milhares de pessoas (quando podíamos aglomerar, entenda-se bem) pelos corredores da praça da Alfândega, respirando o ar livre sob a proteção de jacarandás em flor. A primavera era plena e todos ali buscavam o bem mais precioso já inventado: livros! Admito, lembrar da Feira que não aconteceu ano passado devido à pandemia, torna-me mais nostálgico do que sou normalmente.
Não é que podia comprar, a grana sempre foi curta, ganhava pouco e estava nos primórdios da faculdade, contudo, circular por entre livros e ver pessoalmente escritores e personalidades tinham seu atrativo.
Contei dia desses que vi Luis Fernando Verissimo tocando sax no gasômetro. Soube que ele iria lançar um livro na Feira. Era a oportunidade de pedir um autógrafo, puxar conversa e ficar amigo para todo o sempre. Sim, já fui um jovem sonhador que planejava mundos sem fundo antes das coisas acontecerem. Nem sempre a realidade condiz com os sonhos, mas sonhar não custa nada…
O livro que ele estava lançando extrapolava meu orçamento, mas a Feira do Livro tem bancas com edições usadas que eu poderia bancar (não resisti à cacofonia, compreendam). Catei exaustivamente quando, para meu espanto, vi “O analista de Bagé” – Leiam! É um clássico – flutuando em minha frente. Esta bem, não flutuava, mas parecia, pois estava na mão de uma menina, pronto para ser embalado. Agarro o livro, preparado para um embate titânico, porém, sou desarmado por seu sorriso e palavras: era uma colega da faculdade, justamente para quem eu havia contado meu plano mirabolante naquela manhã.
Após explicar meu plano, consegui a cedência do livro. Municiado com ele, corri sob a característica garoa do entardecer dessa época. Para minha decepção, a sessão de autógrafos acabou. Parei consternado diante do antigo prédio dos correios, desiludido pelo desencontro. A tristeza era grande, mas a cena era bonita, alguns raios de sol reluziam nos prédios enquanto a garoa reluzia no verde das árvores.
Nesse momento, como que um raio de sol ofusca minha visão, mas era o flash de uma máquina fotográfica registrando uma celebridade (os celulares já existiam, mas serviam só para falar, jovens leitores, afinal, essa história transcorreu há quase 30 anos). A pessoa fotografada era ninguém menos que ele, LFV.
Coração palpitante, vou ao seu encontro, transpirando de nervoso, apesar do esquema tracejado por anos. A primeira parte deu certo: o autógrafo tardio tem a vantagem de não ter uma turba na fila fungando no meu cangote. Falo sem parar de minha admiração, estudos acadêmicos e comento a leitura de sua obra, passando pelos livros de Erico, seu pai. Em suma, uma verdadeira metralhadora de palavras. Ele, após me ouvir em silêncio, disse: devolve a caneta.
Caros amigos e amigas (afinal, considero meus leitores mais que amigos, quase uma família) Não há como mensurar minha surpresa quando proferiu mais uma frase: aí está meu telefone, ligue para combinarmos uma visita.
Meu coração queria pular do peito, tal a taquicardia; meu sorriso tinha o tamanho do lago Guaíba logo adiante. Sai flutuando, tal como o livro comprado mais cedo. Liguei para casa, contei para minha mãe, contei para o porteiro da casa do estudante, onde morava, bati na casa da colega que cedeu o livro, tudo para mostrar o autógrafo e o telefone anotado no marcador de página.
Passei semanas procurando motivos para visitá-lo, afinal, o que falar com o escritor admirado desde sempre? Eureka! Ia apresentar um trabalho sobre o livro “Memórias de um sargento de milícias” (lembram dele?). Vou questionar o que ele acha da obra, afinal, a ironia é realidade na obra centenária e em LFV. Sim, uma ideia sem pé nem cabeça, concordo com vocês. Porém, na hora pareceu genial.
Os livros abriram para mim as portas da casa que Verissimo herdou de seu pai. Ali surgiram romances como “O tempo e o vento” e maravilhas da ironia como “Ed Mort, detetive particular”. Fui recebido na sala, falei um pouco de mim, de minhas leituras acerca da produção familiar deles e pedi sua opinião sobre o livro de Almeida.
Teci algumas análises sobre o contexto e as peripécias de Leonardo. Parei de falar por exaustão após um tempo que parecia uma eternidade. Ouvi: li esse livro há muito tempo, mas me deste uma aula. Em agradecimento, buscou o livro que acabara de lançar e eu não pude comprar. Autografou e me deu de presente, dizendo para eu voltar mais vezes…
Se existe glória literária, considero essa a primeira e uma das mais intensas em minha vida. Voltei algumas vezes, menos do que gostaria, mas evitei incomodá-lo, afinal, falo bastante e um escritor precisa sossego, além dele falar pouco, diferente de sua esposa, Lúcia que, como boa carioca, gosta de um bom bate-papo…
Após essa incursão, as portas da literatura abriram-se para mim. Comecei a dar aulas, sendo pago para falar de minhas leituras, vejam só!, além de frequentar regularmente a Feira do Livro (ansioso por sua retomada, claro, tomando os cuidados que requer a pandemia), onde fiz tantas amizades, principalmente com eles, os livros.
Isso me remete a um outro Castro, o Alves, que escreveu no poema “O livro e a América”: “Bendito o que semeia livros… Livros à mão cheia… E manda o povo pensar!” Sejamos cada vez mais benditos, pois semeando livros, ajudamos os outros a pensar. E, se pensamos, existimos!