Quando apresentei o projeto que deu origem à Lei nº 13.103/2015, a chamada Lei do Motorista, meu objetivo foi corrigir uma distorção criada pela lei anterior, de 2012, que simplesmente era impossível de ser cumprida. À época, já se sabia que o texto aprovado criava uma realidade que não condizia com as condições de trabalho, nem com a infraestrutura disponível no Brasil. A minha proposta foi uma tentativa de amenizar as dificuldades, ajustando pontos que poderiam trazer mais racionalidade ao setor. Ainda assim, reconheço, não era uma lei perfeita — era o possível diante das circunstâncias.
Com a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF), que na ADI 5322 declarou a inconstitucionalidade de quatro dispositivos centrais da lei — exclusão do tempo de espera da jornada, fracionamento ou acúmulo do descanso semanal, fracionamento do intervalo mínimo de 11 horas e repouso da dupla de motoristas com veículo em movimento — a situação tornou-se ainda mais grave. As exigências impostas inviabilizam a aplicação da norma no dia a dia. O Brasil simplesmente não dispõe da infraestrutura necessária para cumprir as regras da forma como estão sendo determinadas. É um cenário de total desconexão entre a norma e a realidade.
Vale lembrar que a sanção integral da lei pela então presidenta Dilma Rousseff, em 2015, representou naquele momento o fim da greve dos caminhoneiros de 2014 e atendeu às demandas imediatas da categoria. Porém, ao longo do tempo, com novas alterações e os questionamentos judiciais, o texto foi se tornando de aplicação inviável.
Posteriormente, o STF até modulou os efeitos da decisão, autorizando a flexibilização mediante negociação coletiva. Mas, na prática, o Ministério Público do Trabalho tem restringido esses acordos, o que gera insegurança para empresas e trabalhadores. Além disso, o intervalo mínimo de 11 horas está previsto no Código de Trânsito Brasileiro, o que resulta em autuações para motoristas e empresas mesmo quando há convenção coletiva em vigor.
Esse não é um tema de mera inconstitucionalidade abstrata. É um tema de vida real. Trata-se de um setor essencial para o Brasil, responsável por garantir o transporte de mercadorias e passageiros, sem o qual a economia para. Exigir além do que é possível não apenas aumenta os custos das empresas e dos motoristas, mas também gera impacto direto para toda a sociedade, inclusive com risco de desemprego.
Hoje, no Congresso, tramitam propostas como a PEC 22/2025, sobre pontos de parada e descanso, e a PEC 51/2024, que tenta levar para a Constituição o que o STF já declarou inconstitucional. Essas iniciativas demonstram a necessidade urgente de um novo marco legal. Mas esse debate não pode ser feito de forma isolada. Ele deve envolver transportadoras, motoristas, empresários, sindicatos e o poder público.
As alterações que precisamos não são meramente formais: elas têm que ser racionais dentro do mundo real. O Brasil não pode copiar regras de países com infraestrutura muito mais avançada. Aqui, cada quilômetro rodado revela estradas precárias, falta de pontos de parada adequados e desafios que só quem vive no transporte conhece.
Na minha visão, o caminho não está em judicializar cada aspecto da profissão, mas em abrir um amplo debate que leve em consideração a realidade brasileira. Somente assim construiremos uma legislação que atenda às necessidades do setor e seja, sobretudo, aplicável na prática.
O Brasil precisa de regras justas, equilibradas e exequíveis. O transporte rodoviário é vital para o país, e não pode ficar refém de soluções desconectadas da realidade.
Jerônimo Goergen
Advogado Sócio do Andrade Maia Advogados – Autor da Lei dos Motoristas em questionamento