O Projeto de Lei n°. 4357/2023
O PL 4357/2023, de autoria do deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) e coautor o deputado Zucco (PL-RS), propõe alterar o artigo 2º da Lei 8.629/1993 (Lei da Reforma Agrária).
O texto insere um parágrafo único no artigo 2º, afirmando que, “nos termos do art. 185, inciso II, da Constituição Federal, não será possível a desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária, da propriedade produtiva que não cumprir sua função social de terras produtivas”. Em outras palavras, a proposta visa vedar a desapropriação, para fins de reforma agrária, de propriedades rurais consideradas produtivas — mesmo que, segundo interpretações atuais, não cumpram outros requisitos da função social.
Aprovado no dia 5 do presente mês pela Câmara dos Deputados, o PL representa não apenas uma correção de rumos legislativos, mas uma reafirmação dos princípios constitucionais que protegem a propriedade produtiva no Brasil.
Contrariando narrativas alarmistas de movimentos ideologicamente orientados, o projeto não fragiliza a função social da propriedade — pelo contrário, resgata-a de interpretações subjetivas e politizadas que têm colocado em risco a segurança jurídica do agronegócio brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 é cristalina em seu artigo 185, inciso II: a propriedade produtiva é insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária. Esse não é um detalhe técnico, mas um pilar fundamental do pacto constitucional brasileiro, que reconhece que a produção de alimentos, empregos e riqueza cumpre, por si só, relevante função social. O texto constitucional não estabelece hierarquia entre os critérios do artigo 186, mas deixa claro que a produtividade é elemento central e decisivo.
Nos últimos anos, contudo, testemunhou-se uma perigosa inversão hermenêutica. Em abril de 2025, determinou-se a desapropriação automática de imóveis rurais onde fossem constatados desmatamentos ilegais, independentemente da produtividade da propriedade. Em 2023, o STF já havia decidido, por unanimidade, que a produtividade não bastaria para proteger propriedades da desapropriação. Essas decisões, sob o manto da proteção ambiental, na verdade subvertem o comando constitucional e abrem caminho para desapropriações ideológicas.
A gravidade dessa jurisprudência não reside apenas no desrespeito ao texto constitucional, mas na criação de um ambiente de insegurança jurídica. Se uma fazenda produtiva, geradora de empregos, pagadora de impostos e fornecedora de alimentos pode ser desapropriada por interpretações subjetivas e fluidas de “função social”, qual propriedade rural está verdadeiramente segura?
O conceito de “manutenção adequada do equilíbrio ecológico da propriedade” ou de “saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas” é tão vago e passível de manipulação que qualquer propriedade pode ser enquadrada como descumpridora da função social, dependendo do viés político do intérprete.
O mérito fundamental do PL 4357/2023 reside justamente em trazer objetividade onde havia subjetividade. Ao estabelecer que a função social ambiental se considera cumprida quando o proprietário respeita as normas do Código Florestal — mantendo áreas de preservação permanente e reserva legal conforme determinado em lei —, o projeto substitui critérios vagos por parâmetros legais objetivos e mensuráveis. Não se trata de flexibilizar a proteção ambiental, mas de vinculá-la à legislação específica aprovada democraticamente pelo Congresso Nacional.
Os críticos do projeto afirmam que ele permitiria manter propriedades com crimes ambientais ou trabalhistas, o que é uma falácia. Crimes devem ser punidos pelos instrumentos penais e administrativos adequados — multas, interdições, processos criminais. A desapropriação para reforma agrária não é, nem nunca foi, instrumento de política criminal ou ambiental. Confundir esses institutos jurídicos é oportunismo ideológico.
A alegação de que o PL “ofende a Constituição” é particularmente irônica quando vem de setores que aplaudem decisões judiciais que claramente contrariam o artigo 185, inciso II, da Carta Magna. A verdadeira ofensa constitucional está em ignorar a proteção expressa à propriedade produtiva, e não em regulamentá-la com critérios objetivos.
É essencial contextualizar esse debate na realidade concreta do agronegócio brasileiro. O setor é o principal gerador de superávits comerciais e alimenta não apenas o Brasil, mas centenas de milhões de pessoas no mundo. O Brasil possui a agricultura mais sustentável do planeta, em termos de preservação ambiental integrada à produção, mantendo mais de 66% de vegetação nativa em seu território — percentual inalcançável por qualquer nação desenvolvida.
Desapropriar propriedades produtivas sob alegações ambientais genéricas, enquanto países europeus que desmataram 90% de suas florestas nos dão lições de ecologia, não é política ambiental séria — é colonialismo verde. É impedir que o Brasil desenvolva seu potencial agrícola sob pretextos jamais aplicados aos próprios países que hoje nos criticam.
O PL 4357/2023 não representa retrocesso, mas avanço civilizatório. Substitui a insegurança jurídica pela previsibilidade legal. Reafirma que propriedades produtivas, cumpridoras das leis ambientais e trabalhistas, não podem ser arbitrariamente desapropriadas por interpretações ideológicas da função social. Resgata o comando constitucional que protege a produção rural.
A aprovação deste projeto pelo Senado e sua sanção presidencial são fundamentais não apenas para o agronegócio, mas para a credibilidade do Estado de Direito brasileiro. Não se pode construir um país sério sobre a areia movediça de conceitos jurídicos manipuláveis ao sabor de pressões políticas. O campo brasileiro precisa de regras claras, estabilidade e respeito à Constituição — exatamente o que o PL 4357/2023 propõe.
Charlene de Ávila — Advogada, mestre em Direito e consultora jurídica em propriedade intelectual na agricultura do escritório Néri Perin Advogados Associados.
Néri Perin— Advogado agrarista, especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP, e diretor administrativo do escritório Néri Perin Advogados Associados.
