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qua, 24 de dezembro de 2025

Restaurando a Segurança Jurídica no Campo Brasileiro

Charlene de Ávila Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura do Escritório Néri Perin Advogados Associados. Néri Perin Advogado Agrarista. Especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo do Escritório Néri Perin Advogados Associados.
O texto abaixo está em

 

O Projeto de Lei n°. 4357/2023

O PL 4357/2023, de autoria do deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) e coautor o deputado Zucco (PL-RS), propõe alterar o artigo 2º da Lei 8.629/1993 (Lei da Reforma Agrária).

O texto insere um parágrafo único no artigo 2º, afirmando que, “nos termos do art. 185, inciso II, da Constituição Federal, não será possível a desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária, da propriedade produtiva que não cumprir sua função social de terras produtivas”. Em outras palavras, a proposta visa vedar a desapropriação, para fins de reforma agrária, de propriedades rurais consideradas produtivas — mesmo que, segundo interpretações atuais, não cumpram outros requisitos da função social.

Aprovado no dia 5 do presente mês pela Câmara dos Deputados, o PL representa não apenas uma correção de rumos legislativos, mas uma reafirmação dos princípios constitucionais que protegem a propriedade produtiva no Brasil.

Contrariando narrativas alarmistas de movimentos ideologicamente orientados, o projeto não fragiliza a função social da propriedade — pelo contrário, resgata-a de interpretações subjetivas e politizadas que têm colocado em risco a segurança jurídica do agronegócio brasileiro.

A Constituição Federal de 1988 é cristalina em seu artigo 185, inciso II: a propriedade produtiva é insuscetível de desapropriação para fins de reforma agrária. Esse não é um detalhe técnico, mas um pilar fundamental do pacto constitucional brasileiro, que reconhece que a produção de alimentos, empregos e riqueza cumpre, por si só, relevante função social. O texto constitucional não estabelece hierarquia entre os critérios do artigo 186, mas deixa claro que a produtividade é elemento central e decisivo.

Nos últimos anos, contudo, testemunhou-se uma perigosa inversão hermenêutica. Em abril de 2025, determinou-se a desapropriação automática de imóveis rurais onde fossem constatados desmatamentos ilegais, independentemente da produtividade da propriedade. Em 2023, o STF já havia decidido, por unanimidade, que a produtividade não bastaria para proteger propriedades da desapropriação. Essas decisões, sob o manto da proteção ambiental, na verdade subvertem o comando constitucional e abrem caminho para desapropriações ideológicas.

A gravidade dessa jurisprudência não reside apenas no desrespeito ao texto constitucional, mas na criação de um ambiente de insegurança jurídica. Se uma fazenda produtiva, geradora de empregos, pagadora de impostos e fornecedora de alimentos pode ser desapropriada por interpretações subjetivas e fluidas de “função social”, qual propriedade rural está verdadeiramente segura?

O conceito de “manutenção adequada do equilíbrio ecológico da propriedade” ou de “saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas” é tão vago e passível de manipulação que qualquer propriedade pode ser enquadrada como descumpridora da função social, dependendo do viés político do intérprete.

O mérito fundamental do PL 4357/2023 reside justamente em trazer objetividade onde havia subjetividade. Ao estabelecer que a função social ambiental se considera cumprida quando o proprietário respeita as normas do Código Florestal — mantendo áreas de preservação permanente e reserva legal conforme determinado em lei —, o projeto substitui critérios vagos por parâmetros legais objetivos e mensuráveis. Não se trata de flexibilizar a proteção ambiental, mas de vinculá-la à legislação específica aprovada democraticamente pelo Congresso Nacional.

Os críticos do projeto afirmam que ele permitiria manter propriedades com crimes ambientais ou trabalhistas, o que é uma falácia. Crimes devem ser punidos pelos instrumentos penais e administrativos adequados — multas, interdições, processos criminais. A desapropriação para reforma agrária não é, nem nunca foi, instrumento de política criminal ou ambiental. Confundir esses institutos jurídicos é oportunismo ideológico.

A alegação de que o PL “ofende a Constituição” é particularmente irônica quando vem de setores que aplaudem decisões judiciais que claramente contrariam o artigo 185, inciso II, da Carta Magna. A verdadeira ofensa constitucional está em ignorar a proteção expressa à propriedade produtiva, e não em regulamentá-la com critérios objetivos.

É essencial contextualizar esse debate na realidade concreta do agronegócio brasileiro. O setor é o principal gerador de superávits comerciais e alimenta não apenas o Brasil, mas centenas de milhões de pessoas no mundo. O Brasil possui a agricultura mais sustentável do planeta, em termos de preservação ambiental integrada à produção, mantendo mais de 66% de vegetação nativa em seu território — percentual inalcançável por qualquer nação desenvolvida.

Desapropriar propriedades produtivas sob alegações ambientais genéricas, enquanto países europeus que desmataram 90% de suas florestas nos dão lições de ecologia, não é política ambiental séria — é colonialismo verde. É impedir que o Brasil desenvolva seu potencial agrícola sob pretextos jamais aplicados aos próprios países que hoje nos criticam.

O PL 4357/2023 não representa retrocesso, mas avanço civilizatório. Substitui a insegurança jurídica pela previsibilidade legal. Reafirma que propriedades produtivas, cumpridoras das leis ambientais e trabalhistas, não podem ser arbitrariamente desapropriadas por interpretações ideológicas da função social. Resgata o comando constitucional que protege a produção rural.

A aprovação deste projeto pelo Senado e sua sanção presidencial são fundamentais não apenas para o agronegócio, mas para a credibilidade do Estado de Direito brasileiro. Não se pode construir um país sério sobre a areia movediça de conceitos jurídicos manipuláveis ao sabor de pressões políticas. O campo brasileiro precisa de regras claras, estabilidade e respeito à Constituição — exatamente o que o PL 4357/2023 propõe.

Charlene de Ávila — Advogada, mestre em Direito e consultora jurídica em propriedade intelectual na agricultura do escritório Néri Perin Advogados Associados.

Néri Perin— Advogado agrarista, especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP, e diretor administrativo do escritório Néri Perin Advogados Associados.

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