A cidade de Sant’Ana do Livramento sediou, no dia 10 de outubro, o Seminário o Pampa que queremos , uma importante etapa da Expedição Pampa, uma iniciativa do Observatório do Código Florestal que percorre o bioma gaúcho para avaliar o cumprimento da legislação e debater o futuro da região. O evento, realizado na Unipampa, reuniu pesquisadores, representantes de órgãos ambientais e produtores, com um tom de urgência sobre a crescente ameaça ao Pampa.

Em entrevista, Marcelo Elvira, membro da expedição, compartilhou o panorama após cinco dias de visita a diversas propriedades e comunidades. “O Pampa, ele realmente está ameaçado, a conversão [para outras culturas] está muito alta”, afirmou. Segundo ele, a falta de acompanhamento e planejamento é crítica, especialmente no que diz respeito ao ordenamento territorial e ao respeito aos recursos hídricos. “Não sou contra a soja, sou contra a forma como isso está sendo feito,” resumiu, refletindo a fala de muitos produtores.
O alerta é grave: depois da Mata Atlântica, o Pampa é o bioma mais devastado do Brasil. A grande surpresa para Marcelo é a riqueza “minimalista” e muitas vezes desvalorizada do Pampa, que detém 9% das espécies do Brasil em apenas 2,3% do território nacional. A falta de atenção e o risco de desaparecimento dos campos nativos em poucos anos foram um tema recorrente.
Tesouro gaúcho e o papel do urbano
A Professora Ana Paula Rouveder, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenadora da Rede Sul de Restauração Ecológica, sintetizou a importância da discussão, classificando o Pampa como um “tesouro da sociedade rio-grandense”.
“É um tesouro cultural, é um tesouro de biodiversidade, de serviços ecossistêmicos e também de enfrentamento aos extremos climáticos que estão aí,” destacou. Ela ressaltou a importância de valorizar e dar visibilidade aos “verdadeiros guardiões” do Pampa: o pecuarista familiar, o agricultor familiar e os grupos sociais que vivem e conservam o bioma.
A professora fez um apelo à população urbana para que se intere mais sobre o bioma, defendendo a necessidade de uma sociedade mais participativa e informada, baseada na ciência e na pesquisa, para poder “cobrar o que quer e lutar mais pelos nossos direitos.”
Pecuária e eficiência como solução
O Professor Carlos Nabinger, palestrante no evento, trouxe uma perspectiva histórica e técnica, refutando a ideia de que os campos do Pampa existem devido ao desmatamento. Ele explicou que o bioma é naturalmente campestre e que a riqueza de sua sociobiodiversidade (indígenas, quilombolas, pecuaristas familiares) é o que mantém os campos.
A grande revelação do Professor Nabinger foi o potencial de alta eficiência da pecuária nativa bem manejada. Ele citou estudos mostrando que a produção média de peso vivo por hectare/ano no Estado é de 60 kg, mas que, com manejo correto (tecnologia de processos, controle de carga animal), é possível atingir 200 a 230 kg, sem depender de grandes insumos.
“A pecuária bem manejada… pode dar tanto quanto [a agricultura] com muito menos risco ambiental e muito menos risco econômico,” concluiu, defendendo um olhar de longo prazo e a resiliência dos sistemas a fatores como as mudanças climáticas.
Desafios institucionais e a necessidade de ação
Rodrigo Dutra, Chefe da Divisão de Proteção Ambiental do Ibama no Rio Grande do Sul, reconheceu que o debate é crucial para avançar no cumprimento da legislação ambiental, como a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Código Florestal). Ele citou a urgência na implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) e na análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ambos pendentes no Estado.
O Professor Márcio Neske, reforçou que o evento é “extremamente necessário e cada vez mais urgente” para colocar o Pampa, o menor bioma do Brasil, na agenda pública nacional e internacional, especialmente em fóruns como a COP30.
O consenso entre os palestrantes, ativistas e o representante do Ibama é que o avanço no uso sustentável do bioma depende de um **ordenamento territorial** sério e do reconhecimento dos serviços ambientais prestados pelos guardiões do Pampa. Após a manhã de debates em Livramento, a Expedição Pampa seguiu para Quaraí, Alegrete e Caçapava do Sul, dando continuidade ao seu trabalho de monitoramento e conscientização sobre o tesouro gaúcho.