Certa hora da manhã, bem cedo, melhor, as coisas adquirem sua sonoridade exata. O golpe da colherzinha no fundo do copo, de metal no vidro, é exatamente isso: o som sai diáfano e, às vezes, vibra um pouco mais no ar e chega puro nos tímpanos.
Café solúvel, açúcar, água, não é necessário bater, basta mexer um pouco e está pronto. Tudo tão simples, tão prático, tão moderno.
Carol me olha desde o fundo da sua feminilidade. Ela me olha e me diz alguma coisa que não consigo entender, que não quero decifrar, muito menos escutar.
O sabor do café se desfaz na minha língua. Ela está nua, apesar do frio, está desnuda e me diz não sei bem o quê.
– Augusto… – e as palavras se esfumam porque estou pensando que essa boca que fala e come, beija e acaricia, dá prazer, muito prazer (penso, me perco em pensamentos), também absorve a vida com certo desespero.
Já a vi navegar sobre as forças instintivas do meu corpo, já a vi sucumbir nas mesmas forças e debaixo do peso do meu desejo. Ela é tão frágil que dá medo amá-la com toda a minha fúria clandestina. Digo isso e ela me olha perplexa.
– Fúria clandestina?
– Sim, eu sou clandestino – explico –, minha fúria é clandestina também, meu amor.
– Eu não te amo – defende-se ela e isso eu não quero escutar, não quero entender.
Compreendo que o som do metal contra o vidro deixou uma brecha para sua voz. Não me ama, não importa. Não me ama. Não importa, não importa, não tem a menor importância.
Beijo-a com todo meu silêncio, sua boca tem sabor a sono, a café, a nicotina, a saliva velha e apenas amanhecida. Ainda não tomamos banho e durante a noite, mesmo com o frio intenso, suamos muito. Estamos cheirando e seu cheiro me parece bom. Quero acordá-la para o sexo, mas seu corpo se nega. Minhas mãos e minha boca exploram o território. Lentamente, seu fogo, sua luxúria, começa a acender-se, baixam as pálpebras, seus lábios esperam os meus, sua pele começa a aquecer. Ardemos. Mas, não me ama, Carol, Carolina, minha linda brasileira, não me ama.
(Do caderno de Augusto – Porto Alegre/ sem data)