sex, 3 de outubro de 2025

Variedades Digital | 27 e 28.09.25

O PL 1702/2019 e a violação ao direito de uso próprio de sementes do produtor rural

Charlene de Ávila Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura do Escritório Néri Perin Advogados Associados. Néri Perin Advogado Agrarista. Especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo do Escritório Néri Perin Advogados Associados.

 

A aprovação do texto final do Projeto de Lei nº 1702/2019 pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, no dia 1º de outubro de 2025, representa um dos mais graves ataques recentes à soberania agrícola nacional e à autonomia do produtor rural.

A proposta altera a Lei de Proteção de Cultivares (Lei 9.456/1997) que, sob a roupagem de modernização, esconde a legitimação de uma cobrança duplicada — e, portanto, abusiva — sobre o produtor rural brasileiro.

O texto aprovado amplia prazos de proteção e cria a possibilidade expressa de cobrança de royalties e direitos pecuniários sobre sementes reservadas para uso próprio. Em outras palavras: o produtor rural, que já paga quando compra a semente e, em muitos casos, também na colheita, será obrigado a pagar ainda uma terceira vez, safra após safra, pelo simples ato de reservar parte da produção para replantio — prática milenar, natural, e protegida no artigo 10 da atual Lei de Cultivares.

O PL usa indistintamente os termos “royalties” e “direitos pecuniários”, mas o efeito prático é cristalino: duplicar a base de cobrança. Primeiro, o produtor rural remunera a empresa na compra. Depois, paga novamente a cada safra, mesmo sem acessar qualquer nova tecnologia, apenas multiplicando biologicamente a semente. É um bis in idem (bitributação) travestido de legalidade. Cobra-se duas vezes pelo mesmo direito: uma no momento da compra, outra na reserva da colheita. Não há inovação tecnológica nova que justifique essa cobrança extra, apenas a busca por uma renda perpétua em cima do trabalho do produtor rural.

Esse Projeto, se convertido em lei, fere princípios básicos do direito e esvazia por completo o direito de uso próprio do produtor rural, transformando em letra morta a garantia até hoje “preservada” pela Lei de Cultivares.

É preciso dizer com todas as letras que o PL nº 1702/2019 não corrige lacunas normativas — cria um regime de sobreposição abusiva de direitos, ou seja, viola o direito de salva de sementes para uso próprio do produtor rural; institui cobrança duplicada, em claro bis in idem; coloca em risco a autonomia produtiva e a soberania alimentar do país.

Caros leitores, o problema começa quando o produtor rural exerce o direito previsto no artigo 10 da Lei de Cultivares (Lei 9.456/97): guardar parte da colheita para plantar na safra seguinte. Esse direito, expressão milenar da prática agrícola, é esvaziado pela interpretação das multinacionais e, lamentavelmente, pelos tribunais nacionais, vide o REsp 1.610.728/RS que chancelou a tese das multinacionais sementeiras.

Sob a justificativa de que cada replantio representa novo uso da tecnologia patenteada, as empresas exigem novo pagamento de direitos pecuniários, safra após safra. O resultado? O agricultor paga na compra inicial, pode ser obrigado a pagar novamente na colheita e ainda vê o seu uso próprio transformado em infração.

Essa lógica é juridicamente insustentável. É como se o leitor, ao comprar um livro, fosse obrigado a pagar nova taxa cada vez que abrisse suas páginas. A multiplicação natural da planta não pode ser confundida com a criação de uma nova tecnologia.

Com isso, o produtor rural fica de mãos atadas. Ele paga quando compra, paga quando colhe e paga quando guarda a semente. Um devedor perpétuo de uma tecnologia que já foi amortizada inúmeras vezes. E, mais grave, perde sua autonomia produtiva, tornando-se dependente de insumos controlados por poucas multinacionais sementeiras.

O produtor rural brasileiro vive hoje uma situação paradoxal: enquanto é exaltado como protagonista da segurança alimentar mundial, na prática encontra-se refém de um sistema jurídico que o obriga a pagar indefinidamente pelo mesmo direito. O campo tornou-se espaço de um bis in idem institucionalizado, onde multinacionais de sementes exploram a dependência tecnológica e os tribunais legitimam essa prática.

Longe de modernizar a Lei de Cultivares, esse projeto de lei consolida um modelo de dependência tecnológica e econômica que beneficia exclusivamente empresas transnacionais. Se convertido em lei, representará um retrocesso jurídico, social e econômico, em afronta aos princípios constitucionais que regem a ordem econômica brasileira. É urgente reabrir o debate. O produtor rural não pode ser condenado a pagar royalties e direitos pecuniários em cascata. O Estado brasileiro precisa decidir se estará ao lado da sua base produtiva ou se continuará a chancelar práticas que comprometem nossa independência agrícola.

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Charlene de Ávila Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura do Escritório Néri Perin Advogados Associados.

Néri Perin Advogado Agrarista. Especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo do Escritório Néri Perin Advogados Associados.

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