As câmeras se apagaram, mas a história de “Porongos” está apenas começando. O longa-metragem, dirigido por Diego Müller, concluiu suas filmagens no Rio Grande do Sul no último dia 5 de setembro, trazendo à luz um dos episódios mais sombrios e esquecidos da história brasileira: o Massacre de Porongos. O filme, que tem o ator Emílio Farias como protagonista, promete reavivar a memória dos Lanceiros Negros e questionar a narrativa oficial da Revolução Farroupilha.
A produção teve como cenário as cidades de Bagé e Aceguá, em locações como a Pousada do Sobrado, o Centro Histórico Vila de Santa Thereza, a Tapera do Hélio e a Lagoa do Assis Brasil. O projeto foi viabilizado pelo Edital Sedac/LPG nº 16/2023, com despesas financiadas pela Lei Complementar 195/22 (LPG), e segue em busca de mais captação pela Lei do Audiovisual.
A Trajetória de Adão Caetano
O filme se inspira em fatos reais para contar a história de Adão Caetano, personagem vivido por Emílio Farias. A trama mergulha nas contradições dos líderes republicanos da época e na luta dos soldados negros que, motivados pela promessa de liberdade, se juntaram à Revolução Farroupilha. O ápice da narrativa é o Massacre de Porongos, ocorrido em 14 de novembro de 1844, quando as tropas negras foram traídas e dizimadas em uma emboscada. Este episódio, embora documentado, raramente é mencionado nos livros de história.
Em entrevista, Emílio Farias compartilhou a profunda conexão pessoal com seu personagem. “O Adão é muito especial para mim por uma questão pessoal: ele carrega o nome do meu avô paterno, a quem não conheci em vida”, relata o ator. Para ele, dar vida a Adão Caetano é mais do que um trabalho: é um reencontro com suas próprias raízes e uma forma de reafirmar a presença e a contribuição da população negra na formação do estado e do país.
Farias pondera sobre o conceito de heroísmo, preferindo classificar Adão não como um herói, mas como um sobrevivente. Ele explica que a palavra “herói” muitas vezes idealiza a pessoa e não dá conta de sua complexidade. “O maior heroísmo de pessoas negras, ontem e hoje, talvez seja sobreviver em um mundo que constantemente tenta limitar sua existência”, reflete, destacando que a grandeza de Adão reside justamente nesse ato de sobrevivência.
A Frustração e o Desencanto
Um dos grandes desafios para o ator foi retratar o arco dramático de Adão. A personagem inicia a jornada cheia de esperança por um futuro livre, mas a trama mostra o gradual desencanto ao perceber que a liberdade prometida jamais se concretizará. “É preciso construir esse caminho de forma minuciosa, sem perder nenhuma nuance, porque ele não diz respeito apenas ao Adão, mas a gerações inteiras”, comenta Farias, ressaltando que a verdadeira protagonista do filme é a história em si.
Para se preparar para o papel, Emílio Farias participou de aulas de equitação, treinamentos corporais e encontros de preparação de elenco conduzidos por Tatiana Tibúrcio. O ator afirma que essa imersão o conectou com a ancestralidade dos Lanceiros Negros, permitindo uma entrega física e espiritual à personagem.
Um Gesto de Justiça Histórica
Para Farias, o filme “Porongos” tem um peso de reparação histórica. Ele vê a produção como um gesto de justiça, um ato de corrigir a distorção da memória coletiva que por tanto tempo silenciou a história dos Lanceiros. “É dar voz, corpo e espaço para aqueles que foram silenciados”, conclui o ator, citando um provérbio iorubá para ilustrar a importância do filme: “Exu matou um pássaro ontem com a pedra que só jogou hoje”.
O diretor Diego Müller, conhecido por sua abordagem da história gaúcha em filmes como “A Invasão do Alegrete” e “Cortejo Negro”, reforça com “Porongos” sua dedicação em trazer para a tela histórias que moldaram o Rio Grande do Sul e o Brasil, mas que permanecem à margem da memória oficial. O longa-metragem agora entra em fase de pós-produção e, em breve, a história de Adão Caetano e dos Lanceiros Negros estará pronta para ser vista pelo grande público.