©CARLOS HIGGIE
Como estou enfrentando longos trechos de estrada, muitas vezes, com o sol castigando sem piedade meu rosto, minha mulher resolveu comprar uns óculos escuros.
Foi difícil encontrar, principalmente porque meu rosto arredondado e gordo não combina muito com esses óculos modernos. Depois tem a questão do preço: para comprar um par de óculos, é necessário entregar um olho e um pedaço do outro. Então: para que usar óculos?
Após longa procura, chegamos a uma ótica e a solícita vendedora colocou sobre o balcão vários produtos, com diferentes características, preços e formatos. Eu já estava desistindo, aquilo me parecia uma grande confusão que não levava a nada.
A moça, percebendo que perderia uma venda, tirou da manga seu último argumento. Mostrou-me uma lâmina e perguntou o que eu enxergava. “Algo parecido com uma árvore”, respondi. “Você não está enxergando o peixe!”, entusiasmou-se ela. “Que peixe?”, perguntei. Ela pediu para que eu colocasse os óculos, aqueles que ela tentava vender, e olhasse novamente para a lâmina. Do nada, na parte inferior do desenho, apareceu um peixe. “Ele sempre esteve ali, você só não conseguia ver”, explicou a moça. “Com estes óculos, que eliminam reflexos, você poderá ver as coisas com mais clareza e dirigir com maior segurança.”
Claro, comprei os óculos e saí pela rua olhando para todos os lados, enxergando coisas que, até então, os reflexos enganosos furtavam da minha visão. Fiquei tão feliz que comecei a usar os óculos até nos dias nublados e durante a noite.
Mas um dia desses, divagando enquanto dirigia, um pensamento assustador mexeu com minha tranquilidade. E se o mundo não é como eu o enxerguei e percebi até agora? E se tudo não passar de uma ilusão? Será que fui enganado, ludibriado, durante todos estes anos?
Estou pensando seriamente em quebrar os óculos e recuperar minha paz.