Charlene de Ávila¹
Néri Perin²
Uma pergunta não retórica: quando a soja vira moeda de troca da ideologia verde?
A origem da moratória
A chamada moratória da soja surgiu em 2006 como um gesto emergencial para conter o avanço do desmatamento na Amazônia — uma espécie de virtuosa vestal apresentada em PowerPoint. Naquele momento, o pacto firmado entre ONGs ambientais, grandes tradings internacionais e o governo brasileiro parecia uma solução temporária e estratégica: evitar que novas áreas de floresta fossem convertidas em lavouras, sob risco de perda de mercados consumidores no Norte global.
O que deveria ser transitório, contudo, transformou-se, quase vinte anos depois, em uma verdadeira moratória climática permanente. No discurso, prometia-se equilíbrio. Na prática, o resultado foi outro.
A exclusão do produtor rural
Enquanto o mercado global segue sua lógica implacável, sem “moratórias”, os produtores brasileiros passaram a sofrer restrições injustas. Agricultores que cumprem o Código Florestal e possuem produção certificada por órgãos públicos começaram a ser excluídos do comércio internacional simplesmente por não se submeterem a regras privadas, ditadas por interesses externos.
A moratória passou a ignorar a soberania legislativa do Brasil, impondo cláusulas ideológicas que não dialogam com a realidade agrária nacional.
O verniz verde e a exclusão econômica
Por trás do discurso ambientalista, o mecanismo funciona como instrumento de exclusão econômica:
• favorece grandes grupos exportadores alinhados à pauta ESG global;
• penaliza médios e pequenos produtores, sobretudo nas fronteiras agrícolas da Amazônia;
• ameaça a segurança alimentar, a geração de empregos e a inclusão produtiva no campo.
O produtor rural brasileiro, nesse cenário, tornou-se um incômodo — um “mosquito” no meio de uma reunião do Fórum Econômico Mundial. Se segue a lei, se recupera áreas degradadas, se gera comida e emprego para o país: nada disso importa. O que vale é a imagem na capa da revista estrangeira e a nota de sustentabilidade do fundo europeu.
Novas injustiças sociais
Em nome de “salvar o planeta”, a moratória da soja criou novas desigualdades sociais e econômicas dentro do próprio Brasil. Pequenos e médios produtores foram expulsos do mercado internacional sem direito de defesa, enquanto grandes conglomerados passaram a decidir quem vende e quem não vende.
Transformou-se, assim, o grão de soja em um objeto moral: não basta mais produzir legalmente. É preciso provar que a terra foi convertida antes de julho de 2008 — ainda que legalmente, ainda que sob pleno direito. Caso contrário, a soja vira “maldita”, mesmo vinda de áreas produtivas há décadas e com reserva legal preservada.
O paradoxo brasileiro
Esse raciocínio enviesado cria um paradoxo: o Brasil, que já possui uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo, perde soberania sobre o uso de seu território agrícola para protocolos privados que se sobrepõem à lei nacional.
Ainda mais grave: a segurança alimentar nacional e global fica refém de certificações voluntárias impostas por agentes que não plantam, não colhem e não enfrentam o risco climático real.
Impactos na cadeia produtiva
Ao impor barreiras inflexíveis a uma cultura essencial para a cadeia da proteína animal, a moratória:
• desorganiza a oferta de alimentos;
• encarece a ração animal;
• pressiona os preços internos;
• compromete o abastecimento futuro, em um mundo já marcado por crises alimentares e crescente instabilidade climática.
Conclusão
Se a moratória climática continuar sendo tratada como substituta da política pública e moeda simbólica de barganha internacional, o risco não será apenas para o agricultor. Será para toda a sociedade.
A floresta deve, sim, ser protegida. Mas a agricultura brasileira não pode ser relegada a um papel secundário em um teatro escrito no exterior, em que os brasileiros pagam o ingresso mais caro.
No fim, a moratória já não combate o desmatamento ilegal — tarefa que cabe à lei brasileira. Combate, sim, a liberdade do produtor rural e ameaça a soberania alimentar do país, em nome de um ambientalismo de palanque que serve mais ao marketing do que à preservação.


