Charlene de Ávila
Néri Perin
O agronegócio brasileiro, celebrado como motor da economia nacional, vive uma contradição profunda: enquanto exibe recordes de exportação e produtividade, milhares de produtores rurais estão à beira do colapso, sufocados por um sistema de crédito ineficiente, juros estrangulantes e políticas públicas desconectadas da realidade do campo.
A crise é silenciosa porque não estampa manchetes diárias, mas seus efeitos são devastadores. O crédito rural — vital para o custeio da produção — está praticamente inacessível. Os bancos impõem exigências rigorosas, prazos curtos e taxas que superam 20% ao ano. Para um setor que lida com riscos climáticos, oscilações cambiais e custos crescentes de insumos, essa realidade é insustentável.
Aliás, o que está acontecendo no campo brasileiro não é apenas uma crise. É um colapso moral, estrutural e político travestido de “situação pontual”. A imagem vendida de um agronegócio pujante, tecnológico e competitivo serve como maquiagem ideológica para esconder uma ferida profunda e aberta: o abandono do produtor rural. É um colapso institucionalizado porque não se trata apenas de um problema conjuntural, mas de uma engrenagem que só funciona explorando o elo mais frágil da cadeia produtiva: o agricultor que planta, colhe e alimenta o país.
A presente resenha convida à reflexão: quem está colhendo os lucros do agro? Enquanto grandes grupos financeiros e exportadores se beneficiam do mercado global, o produtor rural — verdadeiro pilar da segurança alimentar — é abandonado pelo Estado. A propaganda do “agro é pop” contrasta com a vida real de quem não consegue mais plantar.
A crise que abate os produtores rurais brasileiros não é nova, tampouco imprevisível. Ela é resultado direto de décadas de abandono político, dependência de capital especulativo e um modelo agroexportador excludente. O que estamos vivendo hoje no campo é o desfecho de um processo de enfraquecimento institucional deliberado — em que o pequeno e médio produtor foi transformado em mero sobrevivente dentro de um sistema que lucra com a sua vulnerabilidade.
Crédito travado, juros elevadíssimos, renegociações de dívida que mais parecem armadilhas do que alívio, e a ausência quase total de assistência técnica e jurídica formam um cenário perverso.
Essa estrutura profundamente desigual se ampara em três pilares:
(a) a financeirização do campo, onde a terra vira ativo especulativo e o crédito vira instrumento de controle;
(b) a precarização das políticas públicas, que abandonaram a extensão rural, a pesquisa agrícola nacional e o apoio direto ao produtor; e
(c) o silêncio cúmplice das instituições, que ignoram a saúde mental no campo, as quebras financeiras e os conflitos fundiários que se multiplicam em regiões agrícolas.
Além disso, o sistema agroindustrial impõe contratos leoninos, margens apertadas e preços ditados pelas grandes compradoras. A “liberdade de produzir” é, na prática, uma ilusão cruel: o produtor escolhe o que plantar, mas não escolhe quanto vai receber — nem quanto vai pagar por defensivos, sementes ou máquinas, que sobem com o dólar e esmagam qualquer margem de lucro.
E o mais grave: a maioria desses produtores rurais estão implorando para não serem esmagados por juros abusivos, máquinas confiscadas, leilões judiciais e o peso insuportável da culpa por falhar onde o sistema os empurraram para o fracasso.
A pergunta central é: quem sustenta o Brasil? Oras, são esses homens e mulheres que enfrentam seca, geada e dívidas para continuar produzindo. São eles que, mesmo sem crédito, sem estrutura e sem garantias, seguem tentando. E são eles os primeiros a serem sacrificados quando a lógica do lucro exige “eficiência”.
Essa crise não será resolvida com planos sazonais de safra ou propaganda institucional. Ela exige uma reforma urgente no modelo de financiamento, proteção efetiva contra abusos bancários, valorização da agricultura nacional e uma ruptura com a narrativa de que o sucesso do agro se mede apenas em toneladas exportadas.
O silêncio do campo precisa ser quebrado, porque ele é construído com dor, dívida e desespero. E reafirmamos: “nenhuma nação que abandona seus agricultores pode se dizer soberana”.
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Charlene de Ávila é Advogada. Mestre em Direito. Consultora Jurídica em propriedade intelectual na agricultura de Néri Perin Advogados Associados.
Néri Perin é Advogado Agrarista, especialista em Direito Tributário e em Direito Processual Civil pela UFP. Diretor Administrativo da Néri Perin Advogados Associados.