De repente, coisa de amigos que se querem bem, embora não nos víssemos, faz bastante tempo, nos demos conta que estávamos conversando fiado a mais de duas horas. Falamos de tudo. Não, não brigamos nem batemos boca, muito menos impomos nosso ponto de vista. De um lado o Ziad, médico, filho de Santana do Livramento, vizinho, por uma linha qualquer de Rivera, de outro, eu, Porto Alegrense, nascido na Beneficência Portuguesa, advogado. Por testemunha a mesa do bar, Ricardo, Vendrusculo, Bettoni, Farina e outros mais. Em comum? Ele e eu viemos ao mundo em 16 de janeiro, sempre nos abraçamos a distância. Liguei a pouco pro Antônio, irmão dele. Havia me cobrado um artigo sobre deixar de lado o radicalismo. Foi quando me dei conta desta terra abençoada, aliás, dessas, Santana do Livramento e Rivera. Brasileiros e Uruguaios. Uma praça define um lado e outro, nada mais que isso. Doble chapa. É só estender a cuia do mate, do outro lado uma mão alcança a terma com a água quente.
Acordamos com as redes sociais nos impondo a controvérsia e nos levando a defender ou acusar, mesmo, muitas vezes, sem uma análise mais profunda, mais isenta. Somos levados ao radicalismo entre Rússia e Ucrânia, Israel e Hamas, o mundo árabe em constante efervescência, o Brasil dividido, os três Poderes cambaleando e nós, aqui no Rio Grande do Sul? Chimangos ou Maragatos, Grêmio ou Internacional, direita ou esquerda, uma paixão tão forte, tão impensada que nos reserva festejar a guerra que perdemos, a dos Farrapos. Caxias, um militar carioca, teve que vir a cavalo estabelecer a paz. E ainda fazemos feriado. Neste Estado, onde dizem que temos que ter lado, o lado que divide Santana e Rivera, onde, inobstante o coração pulse igual, com a mesma verve própria dos gaúchos e uruguaios, onde se inserem inúmeras etnias, as mesmas que vivem em desacertos permanentes no nosso mundo globalizado, a harmonia se faz presente faz mais de 200 anos. Problemas? Todos tem. Os cidadãos de Rivera e Santana, filhos de países diferentes até na língua, não professam necessariamente a mesma ideologia, a mesma visão de mundo, mas convivem e conversam, o que quer dizer: ” viver com” e ” versar com”, uma região, como bem diz o Santanense Renato, quando sai de Porto Alegre: ” vou pra fronteira”. Não é preciso dizer onde, quem cruza pela Sarandi, ponto de encontro dos Brasileiros e Uruguaios não vai encontrar talvez, quem não pensa igual, mas por lá nunca andou o radicalismo. Um lugar de paz.
Eduardo Battaglia Krause
Advogado e escritor