A 2ª Vara Cível da Comarca de Sant’Ana do Livramento determinou medidas restritivas contra o vereador Sargento Doze (Podemos), acusado de condutas abusivas, ameaças e perturbações no interior da Santa Casa de Misericórdia de Sant’Ana do Livramento, único hospital da cidade com atendimento emergencial pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A decisão liminar foi proferida, nesta semana, pelo juiz Fellipe Alves Divino Lima, titular da Vara Cível do município, no âmbito da ação ajuizada pela própria instituição hospitalar.
Denúncias graves de abuso de poder e coação
A ação movida pelo hospital relata episódios de invasão, coação de funcionários e exposição indevida de pacientes cometidos pelo parlamentar sob o pretexto de realizar fiscalização. De acordo com a petição inicial, os atos do vereador ultrapassaram o legítimo exercício do mandato para configurar verdadeiro abuso de autoridade e ameaça à integridade do serviço público de saúde.
Entre as condutas apontadas, estão:
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Transmissões ao vivo nas redes sociais feitas pelo vereador em frente ao hospital, nas quais ele abordava pacientes e familiares em momentos de fragilidade, incitando críticas sensacionalistas contra a equipe médica;
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Postagens em tom de deboche, como a que se vangloria de ter “esvaziado o pronto-socorro só por estar ali”;
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Ação ocorrida em 03 de junho de 2025, considerada o ápice da crise, quando Doze invadiu a recepção do pronto-socorro, exigindo acesso ao prontuário de uma paciente, ameaçando funcionários, e criando tumulto generalizado que chegou a causar alteração nos sinais vitais de pacientes em espera;
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Ameaças diretas, como a dirigida à funcionária Francieli Borges Castilho, a quem teria dado “voz de prisão” por se recusar a entregar a ficha médica de uma paciente, protegida por sigilo profissional e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Esses atos, segundo a instituição, não apenas comprometeram a segurança hospitalar, mas colocaram em risco a vida de pacientes e a dignidade dos profissionais de saúde.
Decisão judicial destaca limites da atuação parlamentar
Em sua decisão, o juiz Fellipe Alves Divino Lima destacou que o parlamentar tem, sim, o dever constitucional de fiscalizar o poder público, mas que tal prerrogativa não é uma licença para agir com truculência, intimidar servidores, ou violar direitos fundamentais.
“O exercício de todo direito deve ser instrumentalizado de forma adequada, sem excesso ou abuso”, afirma o magistrado em trecho do despacho. O juiz ainda pontua que a imunidade parlamentar, prevista no artigo 29 da Constituição, não é absoluta e não cobre condutas desconectadas da atividade legislativa, como ameaças, invasões ou perturbação da ordem hospitalar.
Para sustentar sua posição, o juiz citou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que estabelece os limites da inviolabilidade parlamentar, reforçando que ela só se aplica a manifestações ligadas ao exercício regular do mandato e dentro do interesse público.
Risco de dano iminente e uso da força policial
A urgência da medida foi justificada pelo “perigo de dano irreparável” à saúde pública local. O hospital é a única unidade com pronto atendimento SUS na cidade, o que agrava a necessidade de estabilidade no ambiente. “Não se pode aguardar a ocorrência de uma tragédia para a atuação do Poder Judiciário”, advertiu o juiz.
Com base nesse entendimento, a decisão:
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Proíbe o vereador de entrar ou permanecer nas dependências do hospital sem autorização expressa da administração ou justificativa legal;
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Veda a realização de gravações, transmissões ao vivo ou postagens que exponham pacientes ou funcionários;
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Impede qualquer forma de coação, intimidação ou ameaça contra membros da equipe médica ou pacientes.
Em caso de descumprimento, a multa diária fixada é de R$ 10 mil, com autorização para uso de força policial para conter novas tentativas de perturbação.
Hospital recebe justiça gratuita por sua função social
O juiz também deferiu o pedido de gratuidade da justiça ao hospital, reconhecendo sua condição de entidade filantrópica sem fins lucrativos e seu papel essencial na prestação de serviços à comunidade, especialmente no atendimento pelo SUS. A decisão destaca que a instituição apresentou balanços financeiros com patrimônio líquido negativo e dívidas vultosas, confirmando que arcar com as custas judiciais comprometeria sua atividade-fim.
CONTRAPONTO
O vereador Doze afirma que recorrerá da decisão e provará “totalmente ao contrário”.