Buenas!
Não bastasse o país ter vivenciado o dia nacional da infâmia, em 8 de janeiro do corrente ano, a câmara de vereadores de Porto Alegre, com a conivência da prefeitura, resolveu homenagear os infames.
Como acontece cada vez com maior frequência, o noticiário nos atropela, dia após dia, em uma velocidade que supera a capacidade da crônica semanal. No referido caso, no final de agosto – já chamado o mês do desgosto – os porto-alegrenses e brasileiros em geral foram surpreendidos pela promulgação de uma lei municipal que considera o dia 8 de janeiro como o dia do patriota.
Não, você não leu errado, caro leitor. A câmara aprovou esta lei, valorizando e incensando o ato mais vil da história brasileira: a invasão e destruição das sedes dos três poderes da República em Brasília, no corrente ano.
Não há quem não lembre da tentativa brancaleônica de golpe que resultou na destruição insensata (o que toda quebradeira é) e na tentativa de derrubar os poderes constituídos da nação. A data em que ocorreu tal absurdo foi tratada pela câmara de vereadores de Porto Alegre, para espanto geral da nação, como um ato patriótico.
Enquanto redijo esta missiva aos leitores, vejo ampliada o absurdo da decisão, não só a invasão, mas criar uma data municipal do patriota. Pergunto ao leitor tão estupefato quanto eu: como pode um cidadão eleito pelo povo para representar a população, considerar esta lei útil e necessária?
Conseguiram uma coisa, ao menos: chamar para si e para a cidade a fama de malfadada de orgulhar-se de uma tentativa de golpe e uma destruição de patrimônio público…
Caso leiam isso daqui uma década, muita gente irá lembrar do dia em que um vereador, que logo em seguida foi cassado, mas por abuso econômico – mas que deveria ser cassado de novo, por abuso de passar ridículo –, propôs lei tão absurda. Não que seja ruim ter um dia do patriota, mas é um absurdo incensar esta data em específico.
Vá lá, digamos que o vereador ache o ato do dia 8 de janeiro uma atitude virtuosa, sob sua ótica. Apesar de que, depois da repercussão negativa, ele disse que não leu a própria lei que propôs, pasmem! Mesmo assim, poderia ter sido barrada, já que a lei tramitou em dois conselhos internos. Mas não foi rejeitada por estes correligionários. Talvez o prefeito pudesse barrar, pois ficou duas semanas na mesa dele. Não, o prefeito, como Pilatos, optou por “lavar as mãos”, e se isentar de tomar uma decisão.
Talvez o presidente da câmara, que deveria representar toda uma cidade, poderia ter encaminhado para a votação no plenário, onde teria um ferrenho debate, pois há vereadores de várias vertentes políticas. Ali poderia ter sido vetado o projeto. Não, diferente disso, ele optou por promulgar a lei, usando dos poderes previstos na legislação da casa.
Vitória! De quem mesmo? Talvez, por terem atraído os olhares perplexos de toda uma nação. Melhor, não serei tão otimista. Atraiu os olhares perplexos da maioria da nação, de uma parcela que acredita que a democracia ainda é o melhor dos governos, por mais problemática que ela, a democracia, seja.
Para felicidade dela – no caso, da nação, mas, também, da Democracia –, em menos de uma semana, a lei foi anulada pela própria câmara, com agilidade espantosa, inclusive do presidente da casa, que foi célere para aprovar a dita lei.
Porém – como sempre faço, tento ponderar, mas nesse caso quase sou impelido a esquecer a necessidade ponderativa que cabe a um bom cronista –, pergunto: fará alguma diferença para a imagem da casa? Pergunto também: será que o vereador cassado e proponente, o presidente da câmara e o prefeito, será que nenhum deles pensou nas consequências nefastas da promulgação da dita lei?
A incongruência domina nosso país, quiçá o mundo. Senão, como explicar tal desfaçatez com a sociedade, achando que não haveria protestos e indignação, ainda mais no mundo conectado em que vivemos?
Houve dolo, má fé? Não há como provar, mas que houve falta de bom senso, inegável, tanto que logo cancelaram a lei.
Mas a decisão não irá apagar a imagem negativa que impuseram à capital, outrora chamada de “mui leal e valorosa”, conforme o lema da sua bandeira, título conquistado ainda no século XIX, diante de uma guerra civil fratricida.
A nossa sorte é que o gaúcho irá superar isso, afinal, apesar dos defeitos, temos “valor e constância, nesta ímpia e injusta guerra”, que se chama sobrevivência social. Com democracia e liberdade, com bom senso e retidão, e alguma boa leitura, também por parte dos vereadores, teremos o melhor dos mundos, tenham certeza!