Buenas!
Não, não é meu aniversário. Já fiz o meu cinquentenário este ano e um basta,né? Agora é a vez das minhas origens cometerem sua efeméride festiva. A cidade natal, Santo Ângelo, comemorou, dia 22 de março, seu sesquicentenário. Já minha segunda terra natal, onde “nasci” de novo, faz dia 26 de março, 251 anos…
Aniversário deve ser comemorado, mas de uma cidade, nem sempre damos a atenção devida. Porém – já abrindo os trabalhos com ele – as cidades em que nascemos ou criamos raízes nos acolhem, nos dão o que de comer, entregam muito de nossa diversão, apresentam nossos amigos, inimigos, etc. Ou seja, fazem um papel deveras maternal…
E quem não precisa de um acolhimento afetuoso, que só um colo – ou solo – materno pode proporcionar? Visitei minha cidade natal recentemente. Esta bonita, limpa, e do mesmo tamanho de antes. Aliás, nem tanto. As escolas que estudei parece que encolheram com o tempo, menos a catedral da cidade, grandiosa, imitando as grandes catedrais dos tempos jesuítas.
Lembrei das vezes em que eu entrei no ônibus com colegas de escola para ver o projeto “Som e Luz”, em São Miguel das Missões. A “mãe terra”, que acolhia os índios guaranis, conheci através da voz gravada e altissonante na apresentação com a voz de Fernanda Montenegro. Inesquecível aqueles momentos de vento minuano congelando as orelhas e petrificando na memória aquela experiência ímpar na vida de eu menino…
Não precisa me xingar!, eu sei que São Miguel se emancipou em 1988. Mas, quando eu era criança, fazia parte da capital das Missões, título que me orgulhava, como nativo. Aquelas ruínas eram o meu Partenon!
Falando em capital, migrei para a capital gaúcha ainda no século passado em busca de oportunidades e espaço para crescer. E fui bem acolhido! Morei algum tempo com uma tia no centro histórico e aproveitei os finais de semana para caminhar por suas ruas e conhecer sua história.
Com um mapa na mão – mapa, para os mais jovens, era uma folha de papel que continha um desenho da cidade, parecido com o wase ou o maps do google que quem tem menos de trinta anos não vive sem – perambulava pelas ruas centrais, identificando os nomes das ruas e os prédios históricos.
Muito andei pela rua dos Andradas, antiga rua da praia, para ir trabalhar, estudar ou, simplesmente, para achar uma quinquilharia nos camelôs e alguma camiseta de banda mais barata. Através de alguma leitura e muita estupefação, soube da origem do nome antigo: rua da Praia. O rio Guaíba (que depois de muitos estudos de geógrafos da UFRGS determinaram ser um lago) batia ali quando as primeiras famílias açorianas aportaram por aqui, no distante século XVIII.
Ainda há resquícios do antigo porto sob as pedras da praça da Alfândega, onde ocorre, anualmente, a maravilhosa Feira do Livro. Andando por entre as alamedas que delimitam as barracas cheias de livros e os jacarandás em flor, encontrei mais de um recanto acolhedor. Viu, foi só lembrar de livros e da feira que já fiz até rima!
No centro histórico finquei raízes. Antes mesmo da Casa de Cultura Mário Quintana e da Usina do Gasômetro serem alçados ao patamar de símbolos da cidade, eles já eram meus. Determinei-me que ali iria fincar raízes.
Minha primeira morada fixa foi na rua da Praia, ops, dos Andradas – a pessoa insiste em usar o nome afetivo, e não o oficial –, mais para os lados do Gasômetro. Lá ia correr, assistir eventos, palestras, ou só me deliciar com o pôr do sol no terraço. Há cinco anos o prédio está fechado para obras intermináveis e, segundo a última estimativa, este ano ainda nos devolvem o melhor lugar para ver o entardecer na capital.
Depois de um tempo, filhos, separações, endividamentos, a pessoa abandonou o centro, para tristeza pessoal. Não satisfeito, quando a onda da sorte virou, para onde fui? Morar não somente na rua da Praia, ops, Andradas, mas defronte a Casa de Cultura. Todos os dias, quando saio de casa, faço vênia à Casa.
Hoje em dia, o centro está diferenciado, permeado de bares para todos os gostos, e movimentado por todo o tipo de gente.
Com a criação do parque da Orla, nos finais de semana há uma verdadeira procissão de pessoas que descem no metrô – que, na verdade, é um trem de superfície, mas o portoalegrense insiste em trocar o nome de tudo – e vão para a orla, parque esportivo, ou para os bares defronte ao rio, digo, lago.
Com o complexo do Embarcadero, há outra procissão, mas agora de carros e gente elegante. É um espaço aberto ao público, mas caiu nas graças dos moradores de outros bairros da cidade, que agora desfilam seus mocassins e scarpins pelo calçamento irregular do antigo cais, enquanto outros resvalam seus chinelos, todos em busca do melhor ângulo para registrar o sol caindo no poente por entre lanchas e veleiros que ali se posicionam no aguardo dos flashes, não do sol, dos celulares…
Em suma, as aniversariantes da semana, as minhas cidades-mãe, merecem uma salva de palmas e agradecimentos.
A primeira, por me parir e dar as bases – à ferro e fogo e livros – para encarar o mundo. Já a segunda, pelo acolhimento, suporte – e mais livros ainda – para que eu conquistasse a si e a usasse de trampolim para conhecer o mundo!
Parabéns!