qui, 28 de março de 2024

Aplateia Digital | 23 e 24.03.24

Última Edição

A PANDEMIA ACABOU! SERÁ?

Legenda: eu e o David, de Michelangelo

Buenas!

Que ressoem as trombetas e que adentre o desfile de querubins, pois a pandemia da covid-19 está oficialmente encerrada! Quem de vós, ó leitores devotos, não gostaria de ler, quiçá escreve, tal manchete? Coube a mim ser o arauto de anúncio tão aguardado que, com modéstia ímpar, cumpro a missão devotamente…

Porém – em minhas narrativas sempre há de haver um porém -, se vocês prestaram atenção, um “será” ilumina-se como que em neon reluzente ao findar do título, ignorando as trombetas e afins. Bem que gostaria ignorar tal palavra e ser o responsável por tal notícia, porém – ele não está aqui repetido por mero acaso, foi proposital, compreendam -, cumprirei meu dever que faço com prazer e certa maestria desde o berço, que é questionar.

Será – repito aqui e amplio a questão que nos aflige por tanto tempo – que acabou mesmo? Vou argumentar, sei que contam com isso, então tomem um assento que lá vem história, pois aqui apresento ideias para confrontar os fatos, principalmente os mais afoitos.

Estou a realizar após dois anos de espera, angústia e muitas incertezas, a primeira grande viagem após o início da pandemia. Quando falo grande, entenda-se internacional. Com a idade e o acúmulo de experiência, os parâmetros mudam também, compreendam. Estou na Itália, um dos países que mais sofreu com o vírus. Foram milhares de mortes no início da pandemia, quando pouco sabíamos. Quem não fechou os olhos com viseiras da ignorância não esquece até hoje os corpos empilhados em câmaras frigoríficas improvisadas em ruas em que antes só circulavam turistas que, agora, caminham ávidos por cultura e lembrancinhas por ruelas medievais, como faço agora…

Não por milagre, mas fruto da dedicação de cientistas mundo afora, muito dinheiro governamental e restrições que nos trancaram em casa e em nossas fronteiras por quase dois anos, o mundo aproxima-se da normalidade. Eu falei que está próximo, não que acabou a pandemia, justificando o “será” do título.

Hoje, em plena primavera de 2022, me perco pelos labirintos medievais que compõem o mapa urbano das ruas de Florença, como planejei fazer na primavera de 2020. São números diria um estatístico, uma eternidade diria eu, sempre com pressa em aprofundar os conhecimentos do que é belo. Claro, segundo minha ótica de idoso antes do tempo e que leu muito.

Enquanto escrevo, vejo da janela do trem as flores dominarem os jardins e praças das cidades da região da Toscana. A “Mascherina” é obrigatória em lugares fechados e cobrada com a típica “gentileza” italiana. Os seguranças de um museu mandam tapar o nariz que o povo insiste em deixar de fora, enquanto um motorista de ônibus desce, entra pela porta dos fundos e “expulsa” um rapaz que entra sem máscara no veículo. Ou quando um casal é impedido pelo garçom de entrar em um restaurante ao responder que não tomou a vacina. Quis perguntar, “por quê?”, mas não mereciam que deixasse meu esfriando…

Não são todos os lugares rigorosos por aqui, como não são todas as cidades que liberaram a máscara em lugar fechado aí no Brasil. Tenho certeza que a pandemia não acabou quando ouço uma pessoa tossindo ou espirrando perto de mim, bate um nervoso e já tranco a respiração e procuro um álcool, isso que já tomei três doses de vacina e não pego nem gripe nos últimos três anos.

Penso que, apesar do momento benéfico que vive o mundo ocidental – já que do oriente pouco sabemos, apesar dos “entendidos” de youtube e de grupo de zaps -, nunca sabemos quando um espirro é só um espirro ou um veículo 4×4 turbinado para esse vírus medonho.

Apesar disso, enfrentei com maestria essa angústia pelo prazer de rever a grandiosidade de uma escultura como a de David, de Michelangelo, ou a Anunciação, de Leonardo, mesmo limpando os óculos embaçado pelo uso da máscara e mantendo distância da inevitável aglomeração de turistas na base de um sutil cotovelaço e da cara feia.

Falando em crise pandêmica, lembro que em 1348, no auge da Idade Média, a chamada Peste Negra dizimou metade da população de Florença e 2/3 dos moradores de Siena. Felizmente, suas igrejas grandiosas foram preservadas e ampliadas em agradecimento ao fim desses momentos sombrios. Nós não iremos construir igrejas para agradecer o fim da pandemia, mas poderíamos erigir estátuas para o cientista anônimo que ajudou a desenvolver as vacinas. Contudo, não podemos esquecer que a crise sanitária medieval teve ondas, assim como a varíola no final do século XIX e no início do XX.

Porém – a palavra voltou, não resisti, desculpem, poderia ter procurado um sinônimo, mas não tive como evitar, ele está onipresente hoje -, poderíamos ter a sorte que eles tiveram e recriar uma espécie de Renascença. Ela vicejou pela Itália alguns anos depois da Peste, frutificando em seres iluminados como Leonardo, Botticelli, Michelangelo e Rafael, dentre tantos outros. Foram eles – no caso, suas obras, né? – que me trouxeram até aqui, por eles esperei dois anos para retomar as viagens longas, revisitar terras como as toscanas lombardas…

Mas sejamos criativos! Ao criar o nosso “Renascimento“, lembrem dos clássicos! Não me venham com mega, meta, multiverso ou qualquer outro destes universos virtuais que não me darão a satisfação de uma cansativa, mas inesquecível viagem, por favor!