Desde que a vida virou do avesso com o avanço do coronavírus no Rio Grande do Sul, as pessoas se perguntam até onde vai tudo isso: por quanto tempo, afinal, será preciso ficar em casa e longe do convívio de amigos, familiares e colegas de trabalho? Gestores públicos evitam fazer previsões e, mesmo entre pesquisadores especializados no controle de infecções, a resposta está longe de ser unânime.
Os questionamentos às medidas duras definidas por Estados e municípios cresceram desde o pronunciamento do presidente da República, Jair Bolsonaro. Na última terça-feira (24), em tom beligerante, Bolsonaro criticou o fechamento de escolas e do comércio, confrontou governadores, atacou a imprensa e sugeriu afrouxar o torniquete para evitar o baque econômico. No dia seguinte, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, endossou a orientação:
O discurso desencadeou reações distintas. Organizações empresariais advogaram pela volta da normalidade. Aliados saíram em defesa de Bolsonaro, mas o presidente também perdeu apoiadores. Entidades médicas divulgaram comunicados de alerta, e líderes municipais e estaduais decidiram manter as restrições, entre eles o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan.
Na Capital, dois decretos limitam atividades desde os dias 20 e 21 de março, com validade de 30 dias. Ainda assim, o gestor projeta “três ou quatro meses de muitas dificuldades”.
— Hoje, o que estamos vendo no mundo inteiro é a manutenção desse isolamento. Eu não me arriscaria a dizer um período (para por fim à quarentena) — ponderou Marchezan, em entrevista à Rádio Gaúcha, na manhã desta quinta-feira.
O governador Eduardo Leite também tratou do assunto ao longo do dia, em transmissão ao vivo, nas redes sociais. No caso do Estado, o decreto de calamidade está em vigência desde do dia 19, por 15 dias, mas poderá ser prorrogado se houver necessidade. A título de comparação, a província chinesa de Hubei, onde surgiu o novo coronavírus, anunciou o fim do confinamento na última quarta-feira (25). Em Wuhan, cidade onde tudo começou, isso deve ocorrer apenas em 8 de abril. Já são dois meses nessa situação e não está descartada a possibilidade de uma segunda onda de infecções.
— A tomada da decisão tem de ser feita com base em evidências científicas e também com base na chegada de equipamentos de proteção e de respiradores, para que tenhamos segurança. Temos a expectativa de que ao longo da próxima semana fique mais claro quando o Ministério da Saúde vai conseguir disponibilizar isso. Assim, vamos ter a condição de apresentar um plano sobre a diminuição de restrições. Agora, é prematuro falar-se em prazos. Seria um achismo — ressaltou o governador.
Como Leite, profissionais que atuam na linha de frente do combate à covid-19 não se arriscam a falar em datas. Há quem avalie que será difícil manter o rigor por muito tempo. É o caso do infectologista Renato Cassol, que vem postando vídeos sobre o tema na internet. O médico defende que as autoridades ampliem o número de testes, isolem os pacientes com resultados positivos e que, aos poucos, a população mais jovem seja liberada para voltar a trabalhar, na mesma linha de Bolsonaro.
— Acho que essa estratégia é muito mais plausível do que uma estratégia de longo prazo em que o isolamento completo da população acarretaria, sem dúvida, em uma depressão econômica com malefícios potencialmente superiores — avalia Cassol.
O médico sustenta que o nível de letalidade no Brasil tende a aumentar “pelo simples fato de que a população testada é a que está em situação mais grave”, o que pode levar a equívocos.
— Como se optou por fazer testes nos pacientes internados, a letalidade tende a crescer. O que eu gostaria de ver é o que foi feito em alguns países, como Holanda, Alemanha e Coreia do Sul, que fazem uma testagem muito maior na população, o que dá um dado muito mais fidedigno — diz.
Professor titular de Doenças Infecciosas da UFRGS e infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Luciano Goldani também reivindica mais testes, em especial de kits com resultado rápido, para tornar mais eficaz o controle sobre o vírus. Ele ressalta que, na Coreia do Sul, esses exames auxiliaram a retomada da atividade econômica:
— Em vez de determinada empresa ficar fechada, ela compra os testes rápidos e aplica nos seus funcionários, o que vai liberando a força de trabalho aos poucos, começando pelas áreas essenciais. Poderia ser uma solução.
Mas, como o Rio Grande do Sul não é a Coreia, Goldani é cauteloso em relação ao fim da quarentena — em parte, porque o Estado tem duas características singulares: uma população idosa maior do que outras unidades da federação e um clima complicado. O inverno se avizinha e pode dificultar a situação.
— Creio que, atualmente, precisamos estender a quarentena pelo menos por mais duas a três semanas. Será preciso observar o número de casos novos e de casos graves e ampliar a testagem. Com base nisso, se toma uma decisão. Se houver uma diminuição muito importante, podemos trabalhar com a redução da quarentena. Até lá, não tem saída: as pessoas precisam ter paciência e ficar em casa. Não podemos relaxar agora — adverte o especialista.
Fonte GauchaZH