qui, 28 de março de 2024

Aplateia Digital | 23 e 24.03.24

Última Edição

LIVE URCAMP | Médico pesquisador André Kalil esclarece principais dúvidas sobre o combate à covid-19

Com o objetivo de dividir com a comunidade bajeense o conhecimento e expertise do médico conterrâneo André Kalil, a Urcamp transmitiu, na noite da última terça-feira, a live “A descoberta de novos tratamentos durante uma pandemia”.

O médico bajeense é responsável por coordenar um ensaio clínico aplicado em 50 centros hospitalares nos Estados Unidos, a partir da Universidade do Nebraska, através do Global Center for Health Security. Também em solo norte-americano, o bajeense já atuou em outra crise mundial, na busca por uma solução para a crise do ebola, que vitimou mais de 11 mil vidas na África Ocidental entre 2014 e 2016.

O primeiro ponto destacado por Kalil foi os diferentes tipos de abordagem da crise e o reflexo que cada uma terá no controle da disseminação da doença. “Quando se fala em coronavírus, é muito diferente dos vírus que se viam antigamente. Ele se disseminou de maneira muito mais rápida do que se imaginava. E a única maneira de controlar esta situação de pandemia é através de três abordagens: abordagem de saúde pública, abordagem individual e abordagem médica”, explica.

A abordagem de saúde pública seria a linha de frente do combate ao vírus, como a testagem agressiva e diagnóstico rápido e precoce, que permita o rastreamento de casos. “Dessa forma, conseguimos isolar e fazer quarentena nos casos confirmados”, explica.

A partir de sua experiência à frente do maior ensaio clínico de testagem em busca da cura para a doença, o pesquisador aponta que um agravante ocorrido no mundo todo, que impossibilitou a testagem agressiva: dificuldades técnicas e a falta de estrutura, tanto de pessoal quanto de equipamentos para testagem em larga escala. “Mas se tivéssemos feito isso em janeiro, estaríamos hoje em uma situação diferente, com redução enorme da transmissão da pandemia. Não se fez testagem suficiente, mas de dezembro para cá os países começaram a escalonar os testes”, comenta.

Kalil aponta, ainda, que hoje a situação das testagens está mais efetiva, nesse sentido. Mas ainda não é o suficiente para garantir segurança. “Precisamos rastrear ainda mais. No momento em que parar, não vamos saber qual é a extensão da infecção na sociedade. Se não sabemos a extensão, a situação fica mais grave. É um ponto de saúde pública extremamente importante”, aponta.

Já na abordagem individual, Kalil aponta protocolos de segurança que os cidadãos, enquanto indivíduos, devem fazer para contribuir no combate e contenção da pandemia. “São eles quatro fatores essenciais, especialmente quando se lida com um vírus respiratório: evitar aglomerações, já que pessoas perto de pessoas é exatamente o que o vírus necessita para a propagação; uso de máscara; higiene de mãos e distanciamento social”, pontua.

O médico pesquisador aponta que existe um estudo científico por trás de cada um desses protocolos, levando em consideração que a covid-19 tem possibilidade de transmissão bem maior que outros vírus respiratórios sazonais.

O uso da máscara e distanciamento social, por exemplo, diminuem significativamente o risco de contaminação através das gotículas que saem no momento da fala, que podem se depositar em superfícies ou contaminar através de perdigotos. “Nas últimas semanas, foi descoberta a possibilidade de o vírus se disseminar por aerosol. O que significa que há possibilidade de que o vírus paire no ar, podendo flutuar por períodos e distâncias mais longas. Nesse período, alguém pode respirar o vírus e não saber que se infectou. Além do distanciamento social, o uso da máscara vai ser, talvez, até mais importante do que se imaginava antes. Porque se o vírus paira no ar e consegue voar com o fluxo de ar, o distanciamento social sozinho não vai dar conta do recado”, analisa.

A higienização constante das mãos também deve ser um protocolo adotado de forma permanente, já que as gotículas infectadas que se depositam em superfícies também podem ocasionar a contaminação. E com uma recente descoberta de mutação do vírus, com possibilidade que ele esteja ainda mais contagioso agora, preservar essas ações individuais são cruciais na batalha contra a pandemia, de acordo com Kalil.

A última linha de frente no combate à covid-19 é a abordagem médica, que garante não somente a manutenção das pesquisas e estudos em busca de medicamentos eficazes e vacinas para imunização da população, mas também a preparação estrutural para atender a demanda necessária. “O primeiro fator, importantíssimo, é de os hospitais estejam preparados para atender os pacientes mais graves. Já sabemos, hoje, que em torno de 80% a 90% das pessoas que se infectam vão ter doença leve ou moderada e não vão precisar ser admitidos no hospital. Mas a infraestrutura hospitalar é crucial para atender a demanda mais grave. Não adianta ficar motivado com uma medicação nova, sem um trabalho de suporte adequado em caso grave. Se não tiver profissionais competentes e estrutura hospitalar, não há remédio que vá salvar a vida de um paciente com covid grave”, ressalta.

O médico apontou a importância do tratamento de suporte, que na ausência de medicamentos eficazes contra o vírus, tem salvado vidas – com soro, oxigênio, ventilação e equipe profissional competente. “É imprescindível, se não caímos na ideia de algo que vai ser milagroso e esquecemos do que é básico, essencial, realmente importante para salvar vidas”, destacou.

Tratamentos alternativos controversos podem custar vidas

Enquanto busca um medicamento eficaz na cura da doença, Kalil utiliza o método de estudo randômico. Ou seja, dois grupos são separadamente acompanhados, tendo um recebido o medicamento em teste e o outro tendo recebido placebo. Somente a partir da análise comportamental da droga no organismo do indivíduo, em comparação com aquele que não tomou, é possível assegurar a eficácia e segurança do medicamento.

E é justamente essa observação em ambiente controlado e seguro que falta para algumas drogas receitadas como “possíveis curas” para os pacientes. A cloroquina e a hidroxicloroquina, por exemplo, chegaram a ser estudados de forma randômica. Mas ao contrário do resultado esperado, mostrou não somente que a droga era absolutamente ineficaz no tratamento contra o coronavírus, como ainda oferecia riscos aos pacientes, elevando as chances de ataques cardíacos e letalidade em pessoas de mais idade.

Vale destacar que a cloroquina foi utilizada no combate à malária, com resultados seguros e satisfatórios. Contudo, isso não é garantia de que vá funcionar em outros quadros patológicos. “Uma medicação que tem histórico de segurança em uma doença não vai ter o mesmo perfil de segurança em outra doença. Isso vem sendo visto na Medicina nos últimos séculos. Algumas medicações causam danos graves, ainda que tenham funcionado e sido seguras em outra situação. A doença que estamos combatendo hoje não existia até o ano passado. Não é o momento de ficar experimentando medicações para ver o que funciona e o que não funciona. Tem que ter estudo científico rigoroso para definir se está funcionando ou não”, conta.

O médico relembra que situações semelhantes ocorreram na crise do ebola e do H1N1, quando medicamentos destinados a outras doenças foram “testados”, sem o rigor necessário, ocasionando perdas de vidas humanas. “Se não houver uma observação, não vai ser possível dizer se as pessoas morreram em função do protocolo inadequado, com estas drogas que foram dadas com a ideia de que eram seguras, ou se morreu da doença. Neste momento, não podemos repetir os erros que ocorreram antes. Se querem tratar pessoas como humanos, e não como experimentos de laboratório, ofereçam estudo randomizado controlado. Não se dá droga para pacientes para ver o que acontece. Isso se faz em laboratório, com ratos”, defende.

Kalil avalia que com a situação específica da cloroquina, houve um entusiasmo precoce bastante grande, mesmo sem eficácia comprovada. Milhares de pessoas tomaram a medicação e mantiveram a “ilusão de prevenção” porque a maioria das pessoas vai sair bem da situação, com ou sem medicação. Mas em situações em que os pacientes apresentam quadro de complicações respiratórias ou comorbidades, o caso é bem diferente. “A cloroquina é uma medicação excelente que funcionou em pacientes com malária, tem histórico de eficácia e segurança, mas na covid não funcionou. Quatro estudos randomizados e seis observacionais mostraram que a droga não funciona. Na verdade, dois deles mostraram que houve incidência de paradas cardíacas e de morte de veteranos. Não só não funciona absolutamente, não reduz carga viral ou sintomas, como sugere que aumenta o risco de mortalidade. Isso é ciência, existe evidência clara destes perigos”, alerta.

Explicou, ainda, que nos Estados Unidos a cloroquina foi banida dos testes e não é receitada, de forma alguma, em casos de covid-19. O mesmo se aplica a outras drogas apontadas com potenciais milagrosos de cura, como o antiparasitário ivermectina. “Do ponto de vista de prevenção, não existe estudo comprovado que qualquer droga previna do covid. A única prevenção hoje é bem clara – são os protocolos de ações individuais, como uso de máscara, evitar aglomeração, higienização das mãos e distanciamento social. Nenhum remédio se mostrou seguro eficaz para prevenção. Muitas medicações tem efeito antiviral in vitro. Mas quando se toma, não funciona. O efeito num tubo de ensaio com células artificiais é muito diferente no organismo, onde existe um sistema imunológico, corrente sanguínea, e a medicação tem que chegar na área onde está a infecção. Existem variáveis enormes”, elucida.

Mas para quem deseja optar por medicamentos em teste, o pesquisador ressalta que participar de estudos clínicos controlados, que estão sendo realizados em todos os estados brasileiro, pode ser uma alternativa. “Procurem por hospitais que tenham a infraestrutura para tratamento de suporte, que é essencial para salvar vidas em pacientes graves, e, se houver possibilidade de participar de estudos randomizados, participem”.

Vacina não deve controlar situação imediatamente

O mesmo princípio de estudo randômico se aplica às vacinas. Ele conta que, somente nos Estados Unidos, existem seis estudos que se tornaram candidatos fortes a vacinas e estão em estudo randomizado. “É a única maneira de descobrir a que funciona e a que não funciona”.

Contudo, não é tão otimista quanto ao tempo que esses estudos devem demorar para encontrar a imunização adequada. Por isso, ele acredita que o cenário com adoção dos protocolos de segurança devem se estender, pelo menos, nos próximos doze meses. “Se chegar no final do ano ou no início do ano que vem, vai ser um recorde na história da medicina. Em geral, essas vacinas demoram três, quatro anos para sair. Mas se funcionar e der tudo certo, não vai sair antes do final do ano e início de 2021. E vamos assumir que não deve ser efetiva para todo mundo. Não há vacina 100%. Vai ter proporção de pessoas em que não vai funcionar, e temos que levar em conta que muita gente não vai aceitar a vacina. Hoje tem uma percentual de 20% de pessoas que não se vacinam. Se somarmos essas pessoas com aquelas em que a vacina não vai funcionar, percebemos que a doença não vai desaparecer de repente”, explica.

Kalil aponta que a manutenção dos protocolos de segurança nesta situação, aliado à aplicação da vacina, será essencial para chegar a uma situação de total controle. “Nós, como indivíduos, temos a responsabilidade de fazer a coisa certa – parar com a transmissão do vírus”, reforça.

Pesquisador aponta que não há garantias de imunidade adquirida após a infecção

A partir da observação de pacientes que contraíram a infecção e se curaram, foi possível que os médicos observassem que os anticorpos desenvolvidos desapareceram em alguns casos após um período. Ou seja, se os anticorpos baixaram, existe a possibilidade de que a pessoa possa se tornar suscetível a pegar novamente a infecção.

“O que se sabe hoje é que os anticorpos não duram muito tempo. Então existe possibilidade real de se infectar novamente com o vírus. Por isso é preciso muito cuidado. O fato de ter tido a infecção comprovada não autoriza o paciente a pensar que está imune a pegar o vírus de novo, não o exime das responsabilidades de manter a segurança”, enfatiza.

Modelos de atividades virtualizadas devem garantir segurança nos próximos meses

A reitora da Urcamp, Lia Quintana, aproveitou a ocasião para questionar Kalil, enquanto médico e cientista, sobre a possibilidade de liberação para retornar às aulas presenciais, mediante um cenário em que o vírus apresentou mutação e se tornou ainda mais transmissível. “Às vezes, colocamos o peso da responsabilidade na saúde pública, porém é uma situação dimensionada, os recursos são limitados. Vai depender de cada um de nós, enquanto cidadãos. Nós podemos fazer uma parte muito importante através dos protocolos de segurança porque somos maioria”, mencionou. As atividades na Urcamp, tanto as aulas quanto os atendimentos, foram virtualizados em março, após a confirmação do primeiro caso de covid-19 em Bagé.

Kalil relatou que as aulas virtualizadas também foram a opção mais segura encontrada pela Universidade de Nebraska de manter o cronograma em dia, mas com segurança aos estudantes, professores e funcionários. E assim devem ser mantidas pelo próximo semestre. “Não há solução simples nesse sentido. É uma situação em que a gente ainda está aprendendo. Neste momento existe flexibilidade para que a educação possa, de uma certa maneira, começar a voltar a proximidade do que existia. Mas não como existia há seis meses. O trabalho individual que a Urcamp vem fazendo para segurança dos estudantes é essencial. O ensino virtual vai ser muito importante nos próximos seis, doze meses. Acredito que aqui nos Estados Unidos não vai mudar também. É uma precaução bastante grande para que as coisas não piorem”, concordou.

A live completa já pode ser conferida no canal da Urcamp no Youtube ou nas redes sociais, onde foi disponibilizada a gravação, inclusive na página do Facebook do Jornal Minuano. Até ontem, o material já contabilizava cerca de 10 mil visualizações. Lia agradeceu a parceira com o médico que, pela segunda vez, participa de uma atividade promovida pela Urcamp. “Hoje foi uma aula para todos, não só para os profissionais da área da saúde, para que a gente entenda o momento que a gente tá vivendo. Foi um grande momento de aprendizado, para todos aprenderem a se virar nesse mundo novo que veio para ficar”, frisou.

Presidente Marco Peixoto participa da assembleia da Amvarp e Cisvale

  O presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), conselheiro Marco Peixoto, participou, na manhã desta quarta-feira (27), da assembleia que definiu as novas diretorias da Associação dos Municípios do Vale do Rio Pardo (Amvarp) e do Consórcio Intermunicipal de Serviços do Vale do Rio Pardo (Cisvale). O evento ocorreu no Hotel Águas Claras, em Santa Cruz do Sul.