qui, 18 de abril de 2024

Variedades Digital | 13 e 14.04.23

Escolas municipais estão sem carne para a merenda há dois meses

De acordo com a direção das escolas, o fornecimento foi interrompido por falta de pagamento. Ainda neste ano, a distribuição de leite e legumes também sofreu com a falta de recursos

Desde o início do ano letivo, o Jornal A Plateia vem recebendo diversas denúncias acerca da situação em que se encontram as escolas da rede municipal de ensino de Sant’Ana do Livramento. As reclamações vão desde o estado de conservação dos prédios e móveis até as precárias condições do transporte escolar, no caso das escolas da área rural do município. Há pouco mais de dois meses, outra queixa passou a ser recorrente, desta vez, a falta de comida. Para conferir de perto o tamanho do problema, a Reportagem visitou algumas escolas e ouviu a comunidade.
Uma das primeiras instituições a serem visitadas foi a Escola Municipal de Ensino Infantil João Antônio Tavares, localizada no bairro Santa Rosa. Atualmente, a escola atende 110 alunos de zero a quatro anos. Deste montante, 74 crianças fazem, pelo menos, três refeições diárias no local. A pouco mais de duas semanas para o fim do ano letivo, a diretora Cristiane Rosa afirma que agora está mais tranquila, mas há três meses o panorama era outro. “Enfrentamos uma falta de leite. Com esse desabastecimento, a saída foi pedir aos pais que, se possível, colaborassem com uma caixa’’.
A gestora ainda comenta que a escola mantém um brechó ativo como forma de complementar a receita. Desta forma é possível repor insumos que eventualmente possam faltar, como sacos de lixo, desinfetantes e detergente de cozinha. Mas o item que está atualmente em falta é a carne. “Nós recebemos legumes, verduras e produtos coloniais da agricultura familiar, mas carne mesmo não temos’’, revela.
De acordo com relatos extraoficiais de alguns funcionários do local, o abastecimento foi interrompido há mais de um mês. Desde então, preparar uma refeição virou uma batalha diária. “A última entrega foi no mês passado, quando os entregadores terminaram de descarregar, pediram para usar só o necessário, porque não sabiam quando seria a próxima’’, conta Cristiane.

O problema se repete

Do outro lado do muro a história não é diferente. Para a Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Abreu Fialho, vizinha da João Antônio Tavares, este foi um ano de escassez. Só em 2019, os 420 alunos dos turnos da manhã, tarde e vespertino, sofreram com a falta de leite, produtos de feira e carne. “Nós ligamos para o açougue que é o fornecedor e eles nos disseram que não estavam mandando a carne porque a Prefeitura não estava pagando’’, explica a vice-diretora do turno da manhã, Carmem Vanusa Belmonte. Ao entrar em contato com os demais fornecedores, a resposta foi a mesma, os insumos tiveram seu fornecimento interrompido por falta de pagamento.
A falta de produtos de feira ocorreu próximo à metade do ano, e segundo a Direção da Escola, quando foi questionado à Secretaria Municipal de Educação (SME), eles teriam informado que dentro de um mês as entregas seriam normalizadas. Mas na prática, a diretora Carmem Solange Almeida, garante que os produtos só foram entregues no final do mês de setembro. “Falamos com o proprietário da feira, mas ele nos disse que não ia entregar porque havia pagamentos atrasados desde 2016 e a gente entende que quem vende quer receber’’.
Ao ser perguntada sobre como essa deficiência alimentar afetava o processo de aprendizado das crianças, Carmem Vanusa foi enfática. “Elas estão em fase de crescimento. Uma criança com fome, não vai ter a mesma disponibilidade, interesse e atenção para aprender. Mal alimentadas elas não vão render o que deveriam’’.
Quem também lamentou a situação foi a vice-diretora do turno da tarde, Jacqueline Almeida: “Antigamente, para o turno da manhã, nós oferecíamos o café da manhã e o almoço. Agora é o que tem, se é almoço é almoço e se é café, é café’’.

No Camilo a situação se repete

Outra instituição que sofre com o descaso do poder público é a Escola Municipal de Ensino Fundamental Camilo Alves Gisler. Localizada no bairro Prado, a escola atende 123 crianças, das quais 90 realizam, pelo menos, uma refeição diária. A vice-diretora, Dione Toledo, informa que apenas o abastecimento da feira está em dia. “Nós usamos muitas estratégias sem a carne, mas, muitas vezes os professores, inclusive eu, trazem a carne para a escola, sim. Eu acho o cúmulo não ter carne em uma refeição’’.
Dione ainda lembra que muitas dessas crianças têm as únicas refeições do dia na escola. Aos alunos do turno da manhã é oferecido o café quando chegam e o almoço antes da saída. Já para os da tarde, é oferecido o almoço na chegada e o café no final da tarde. “Já tive crianças que, enquanto não tomavam café, não ativavam a memória em sala de aula. Eles ficam muito bravos se não tem almoço’’, enfatiza.
Na cozinha, é a criatividade quem manda. Elizabeth Diogo, cozinheira da escola, diz que a saída é improvisar. “A gente faz o que tem. Saladas, massa, arroz. O feijão é com legumes e verduras, mas a criança nota que não tem carne e pergunta’’. Questionada sobre qual seria a orientação da nutricionista responsável pelo cardápio nas escolas, Elizabeth corrobora um discurso uníssono das instituições: a carne pode ser substituída por ovos e outros legumes.
Embora a reportagem tenha ouvido três escolas, a informação é de que a história se repete em várias outras espalhadas por Sant’Ana do Livramento. Geladeiras vazias, comunidades que sofrem e uma educação faminta.

Contraponto

Em nota, a secretária de Educação, Rosemery Silva, justificou a falta de carne nas escolas municipais. Confira na íntegra:
“A prefeitura, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e de recursos próprios, atende aos alunos matriculados na rede municipal de ensino, escolas e creches, com cardápios elaborados por nutricionista, tendo o objetivo de garantir às crianças o acesso a uma alimentação saudável e adequada, que compreende o uso de alimentos variados, seguros e que promovam a formação de hábitos alimentares saudáveis, levando em consideração o tempo de permanência do aluno na unidade e faixas etárias nas creches.
A contratação com recursos públicos requer procedimentos (processo licitatório) que, mesmo planejados fogem, às vezes, do tempo estimado, como está sendo o caso do processo licitatório para aquisição de carne. A ata de Registro de Preço para aquisição parcelada de carne finalizou, mas outro processo licitatório já estava em andamento, mas, que, infelizmente, está tendo suas fases recursais e análises de interposição de questionamentos, um pouco mais prolongada, dada as questões levantadas.
O que a Secretaria de Educação está fazendo para sanar tal situação? Imediatamente solicitou análise jurídica para abertura de processo de dispensa de licitação, a fim de cobrir o tempo estimado até que sejam sanadas todas as questões da licitação em curso (para aquisição de carne) e assim, normalizar o abastecimento. O processo de dispensa (que também tem seu formalismo exigido pela lei) já foi autorizado e se encontra na fase de empenho da despesa (fase final).
Importante lembrar que o cardápio servido aos nossos alunos é riquíssimo e, conforme a nutricionista da Secretaria de Educação, “os alimentos que estão sendo fornecidos para as escolas suprem as necessidades nutricionais do alunos. A proteína de origem animal está sendo fornecida através de ovos, leite, queijo, iogurte e sardinha, conforme o enquadramento de cada escola”. Portanto, a preocupação com a falta de carne, neste momento, é de todos nós e não estamos medindo esforços para que a situação se regularize, com os passos que a lei nos permite, embora a nota técnica da nutricionista nos tranquilize com relação ao aporte nutricional. Também importante salientar que os produtos da agricultura familiar estão sendo fornecidos para as escolas, com uma excelente qualidade.
Deixo a sugestão para que todos visitem o site da Prefeitura de Livramento e no link Licitações e Contratos verifiquem os processos licitatórios para a aquisição de alimentação escolar – a maioria na modalidade de Pregão Presencial. São processos de aquisições de carne, de pão, de hortifrutigranjeiros e de alimentos não perecíveis e confiram a qualidade e quantidade de alimentos que compõem o riquíssimo cardápio das escolas municipais e que estão sendo distribuídos nas escolas. A ausência de um único item, não significa que os alunos da rede municipal de ensino estão sem alimentação e/ou sem o devido aporte nutricional”.
Rosemery Silva – Secretária de Educação

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